sexta-feira, 28 de março de 2014

Elefantes são Quase Humanos

Reproduzimos aqui um artigo muito interessante publicado originalmente em um livro de 1966com curiosos relatos sobre o comportamento de elefantes em diversas ocasiões e em diferentes países. Os estudos científicos sobre os elefantes evoluíram bastante desde então, mas é inegável que sua inteligência, memória, astúcia, empatia, senso de humor e sociabilidade já eram reconhecidos há quase cinco décadas atrás. 

Elefantes são Quase Humanos
Por: Brian O'Brien
Publicado originalmente no livro: "Maravilhas e Mistérios do Mundo Animal" - Seleções do Reader's Digest, Rio de Janeiro, Brasil, 1966


Um elefante africano macho do tipo gigante pode pesar até sete toneladas. Suas presas são seus dentes incisivos; crescem enquanto ele vive, tornando-se pesadas demais mesmo para um animal do seu grande porte, quando não são desgastadas pelo uso.

No Parque Nacional Rainha Elizabeth, de Uganda, o Superintendente R. C Bere e eu atravessávamos uma planície, de automóvel, uma bela tarde, quando avistamos um grupo de elefantas com seus filhotes. Olhando ao redor, elas abanaram as orelhas, e foi como se não nos tivessem visto, de modo que Bere parou o carro para que eu pudesse fotografá-las. De repente, a maior de todas esticou as orelhas, sacudiu malévola a cabeça e, rugindo desafiadoramente, avançou. Deteve-se a menos de seis metros de onde estávamos.

- Por que isso? – indaguei. – Ela estava tão calma!

- Talvez se tenha zangado ao ver os carros do safari - respondeu Bere. – Pode ser também que tenha comido algo que lhe fez mal. Ou foram os mosquitos; às vezes eles enlouquecem os elefantes. Nunca se pode saber o que os elefantes farão. Eles são imprevisíveis... como as pessoas.

Bill Ryan, veterano caçador de Ker & Downey, a famosa firma de Nairóbi, no Quênia, especializada em organizar safaris, observa os elefantes há mais de quarenta anos.

- Eles imaginam coisas, como nós - disse-me. – E às vezes são mais espertos. Num dos nossos acampamentos fixos, um bando de elefantes costumava invadir a horta. Levantamos uma cerca. Atravessaram-na. Ligamos então a nova cerca ao gerador, eletrificando-a. Bastaram algumas noites para que os elefantes percebessem que, quando as nossas luzes se apagavam, a corrente deixava de passar pela cerca - e lá se foi de novo a cerca. Mantivemos o gerador ligado a noite inteira. Mas os paquidermes continuaram por ali, brincando com o fio, até que um deles descobriu que suas presas eram maus condutores de eletricidade. Acabamos tendo de colocar sentinelas armados para mantê-los afastados do campo. 

Quando as cabanas para visitantes do Parque Nacional das Quedas Murchison estavam sendo construídas em Paraa, em Uganda, os carpinteiros eram constantemente afugentados do seu serviço por um elefante de três toneladas e meia conhecido como o Prefeito de Paraa. Era como se o elefante considerasse aquela área seu domínio privado; e mesmo depois de acabadas as cabanas ele prosseguiu no patrulhamento, detendo-se gentilmente para se deixar fotografar. Uma bela noite ele farejou pombe, uma cerveja que os nativos faziam de bananas fermentadas, e arrancou o teto de uma cabana para descobrir as frutas de infusão. Não tardou que passasse a procurar bananas em todos os automóveis que chegavam a Paraa. Se era um conversível, ele rasgava a capota para alcançar as frutas; os sedans ele revistava pelas janelas, quando não erguia o carro no ar e o sacudia.

Perto de Amboseli, umas das reservas nacionais do Quênia, vivia um elefante que tinha senso de humor. Gostava de ficar de tocaia numa curva apertada do caminho até aparecer um automóvel. Então investia, as orelhas em pé, com um guincho ensurdecedor. Contentando-se com aterrorizar todas as pessoas que vinham no carro, recuava e ficava a vê-las passarem com evidente cintilar nos olhinhos marotos.

No Parque Nacional Rainha Elizabeth, onde milhares de elefantes podem ser vistos pelos visitantes em perfeita segurança, desde que obedecidos os regulamentos do parque, tive ocasião de ver uma cena de amor entre elefantes. Um dia, eu e o Superintendente Bere observávamos um bando que pastava numa encosta, sobre o Lago Eduardo, quando um belo macho ainda jovem emergiu do seu abrigo, a cerca de duzentos metros do grupo. Quase imediatamente uma fêmea se desgarrou do bando, volvendo a cabeça timidamente de um lado para o outro, enquanto caminhava ao encontro dele. Quando seus olhos se encontraram, o macho envolveu a tromba da aliá na sua, e suas cabeças se ergueram, as trombas enlaçadas, até que suas bocas se tocaram num inconfundível beijo. Depois, a elefanta começou a dar cabeçadas no macho, de brincadeira. O macho arrancou um tufo de grama com a tromba, sacudiu-o de encontro aos joelhos, para limpá-lo, e ofereceu-o à fêmea. Esta o enfiou na boca, e lá se foram os dois, os ombros se tocando, só se detendo para trocarem beijos, até desaparecerem numa moita.

- Há mais de uma semana que eles estão de namoro firme - comentou Bere. – E continuarão namorando-se até a fêmea entrar no cio. Então, numa clareira remota - porque os elefantes, como as criaturas humanas, preferem o amor na intimidade - ela corresponderá de bom grado aos galanteios.

O casal se mantém junto o dia inteiro, nas imediações do bando, e à noite se esgueira para dentro da floresta, prosseguindo no romance, até que a fêmea emprenha e perde o interesse pelo companheiro. Alguns meses depois a fêmea procura a companhia de uma elefante mais velha, que zelará por ela quando nascer o filhote; o período de gestação é de aproximadamente 21 meses. A “titia” permanece de guarda, avançando furiosamente contra quem quer que se aproxime enquanto o filhote está nascendo. O filhote pesa uns 60 quilos, e poucos minutos depois de nascer já consegue sustentar-se nas pernas ainda bambas. A dedicação dos elefantes pelos seus filhotes é, comovedoramente, quase humana. Transportam-nos quando passam por água, arrancam as vergônteas altas demais para que eles alcancem e, quando preciso, castigam-nos por desobediência.

Uma tarde eu e Bere estávamos apreciando um bando de quatro elefantas com cinco filhotes às margens do Canal Kasinga, que liga o Lago Eduardo ao Lago George. Quando um dos filhotes, pequenino e gorducho, se afastou para a margem do canal, umas das fêmeas deu um grito de advertência. O elefantezinho não lhe deu atenção, prosseguindo ao longo da margem como um meninozinho a ver quão perto da borda poderia chegar. De repente a terra cedeu sob as suas patas e, com um grito lancinante, ele caiu dentro da água.

As elefantas grunhiram, de orelhas em pé, e no mesmo instante se precipitaram para o canal, estendendo as trombas solícitas. Porém o elefantezinho, lutando para não submergir, estava aterrorizado demais para se agarrar às trombas que se lhe ofereciam. Duas das fêmeas se ajoelharam na margem, trombas no ar, enquanto as outras duas entravam cuidadosamente dentro da água. Entre aquelas, grunhindo para encorajar o filhote que espadanava, estas duas enfiaram as presas por baixo do elefantezinho e ergueram-no até que as duas da margem o puderam arrastar para a terra, pondo-o fora de perigo. Uma das fêmeas, evidentemente a mãe do elefantezinho, aconchegou-o mais para si, gorjeando e dando gritinhos estridentes enquanto o cheirava todo com a tromba, ansiosa, conservando-se ele bem juntinho a ela, encolhido, ganindo e fungando água. Depois, contente por ver que o filho nada sofrera, a mãe pespegou-lhe um tremendo golpe com a tromba e, grunhindo de raiva, pô-lo para longe da água.

Um exemplo patético de pesar materno se registrou há algum tempo no Parque Nacional das Quedas Murchison. O Superintendente do parque, o coronel C. D. Trimmer, avistou um fêmea carregando nas presas um filhote recém-nascido, que sustentava com a tromba. O filhote estava morto. Durante três dias a elefanta-mãe andou com o pequeno cadáver, só o pousando no chão para beber água. Mais tarde foi vista sem o filhote, parada ao lado de uma árvore. Ali permaneceu vários dias, sem comer e avançando para quem quer que se aproximasse. Finalmente se foi. Trimmer veio a saber depois que ela cavara uma sepultura sob a árvore, onde enterrara o filhote.

Ao que parece, quase todos os elefantes são dotados desse característico instinto protetor. Um macho envelhecido demais para alimentar-se deixará o bando, talvez por ter-se tornado demasiado vagaroso para segui-lo nas longas marchas. Um ou dois elefantes de menos idade talvez o acompanhem. Os jovens defensores o advertirão dos perigos, empurrando-o delicadamente para onde esteja abrigado, voltando sem seguida para desafiar o inimigo. Os guardiães ficam em geral com o elefante envelhecido até ele morrer, o que pode ocorrer aos 60 anos.

Os elefantes se incluem entre os melhores nadadores de todos os animais terrestres. Sabe-se de uma caravana de 79 elefantes de carga asiáticos que atravessaram trechos inundados do Ganges nos quais tiveram que nadar seis horas sem pôr os pés no fundo do rio. Os elefantes asiáticos, cujas orelhas são muito menores do que as dos seus irmãos africanos, não raro se deixam domesticar, sendo utilizados para ajudar o homem em suas tarefas.

Um elefante necessita de muito pouco sono- cerca da metade do que necessita o homem- o que aliás é bom, porque ele precisa passar a maior parte do tempo procurando alimento. Para ingerir os 800 quilos de folhas e grama que constituem sua ração diária, ele precisa alimentar-se durante as 16 horas em cada 24. Além disso, precisa também estar constantemente à procura de água, pois necessita de 100 a 180 litros por dia.

É verdade que o elefante não esquece nunca. Uma das coisas de que ele sempre se lembra é o cheiro das pessoas. Dizem os observadores que, tendo sido perseguido por caçadores, o dentuço é capaz de, com a tromba, sentir a diferença entre o cheiro de um branco e o de um negro a duas milhas de distância. Sydney Downey conta o caso de um elefante solitário que ele perseguiu durante anos, no Norte do Quênia:

- Ele se alimentava em ziguezague, desviando-se ora para a esquerda ora para a direita, mas voltando sempre à própria trilha. Ali parava, farejava a terra com a tromba e, se não sentia nenhum cheiro, prosseguia. Se sentia o cheiro de um nativo na trilha, recuava para abrigar-se e ficar à espreita até certificar-se de que estava sem segurança. Se o cheiro era de branco, pateava com estrondo, enfurecido, e partia de carreira, percorrendo 80 quilômetros ou mais em linha reta. Ele sabia que espécie de armas portam os brancos.

O coronel Bruce-Smith, conhecido colono do Quênia, sustentava que os elefantes tanto se lembram do bem que lhe fazem como dos perigos por que passam. Certa vez ele capturou um pequeno elefante que tinha uma chaga feia numa das pernas traseiras. Bruce-Smith fez com que metessem o animal num cercado de troncos grossos, estreito demais para que ele pudesse mover-se, enquanto lhe tratou a ferida. À primeira ardência do antisséptico o elefante rugiu de dor e raiva, quase libertando-se da paliçada. Mas Bruce-Smith terminou o curativo e deixou-o sossegar. Após três ou quatro curativos o elefante passou a submeter-se ao tratamento com paciência, embora tivesse de continuar confinado para que não arrancasse os pensos. Afinal foi solto. Desde então, até ser embarcado para Nairóbi, o animal corria para Bruce-Smith toda vez que o via, tomava-lhe a mão na tromba e levava-a ao ponto em que houvera a feriada agora cicatrizada.

As grandes manadas de elefantes estão sendo exterminadas. Porém, nos parques nacionais da África os visitantes ainda podem ver por si mesmos que esses imprevisíveis animais na verdade se comportam muitas vezes como as próprias pessoas que os contemplam.