quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Declínio dos Elefantes Vastamente Subestimado

Publicado por Trevor Jones e Katarzyna Nowak, em "A Voice for Elephants" (Uma voz para os elefantes), da National Geographic, em 16 de Dezembro de 2013.

Excrementos de abutre mancham mais uma vítima de caça ilegal em Ruaha-Rungwa, ao sul da Tanzânia (fotografia: Udzungwa Elephant Project).
No início deste mês, a mídia internacional publicou uma estimativa divulgada pela International Union for the Conservation of Nature (IUCN) de que um quinto dos elefantes da África poderá ser eliminado nos próximos dez anos, se a taxa de caça ilegal for mantida”.

Essa é uma subestimativa prejudicial, que nivela por baixo a gravidade do atual desastre e os esforços que têm sido feitos para contornar a situação. 

Dada a vasta matança de elefantes por caçadores ilegais em busca de suas presas de marfim ao longo dos últimos cinco a dez anos e a falta de pesquisas acuradas e atualizadas das populações de elefantes em toda a África, é muito difícil fazer estimativas regionais dos números totais e projeções para o futuro, ainda mais para todo o continente.

No entanto, vamos considerar algumas sólidas informações que foram fornecidas recentemente em artigos analisados ​​por especialistas e relatórios de cientistas in loco.

Machos passeiam diante de uma câmera escondida no 
Ruaha National Park (fotografia: Udzungwa Elephant Project).
Grave Declínio

Na Tanzânia, que até recentemente abrigou o segundo maior número de elefantes de savana de todo o continente (depois de Botsuana), os resultados de um censo aéreo do ecossistema Selous realizado em outubro do ano passado acabaram de ser anunciados na 9ª Conferência Científica do Tanzania Wildlife Research Institute (TAWIRI), que aconteceu entre 4 e 6 de dezembro, em Arusha.

O ecossistema Selous (31.040km²) é a maior área protegida da África e possui a maior população de elefantes da África Oriental. No início dos anos 70, o número de elefantes foi estimado em mais de 100 mil, mas, depois da última grande crise de caça ilegal de marfim, no fim dos anos 80, a população caiu para cerca de 20 mil.

Após a proibição mundial do comércio de marfim, promulgada em 1989, a população se recuperou para cerca de 55 mil elefantes em 2007, quando a onda de matanças aumentou. Em 2009, o número de elefantes do Selous já tinha diminuído para cerca de 39 mil.

A mais recente estimativa da população é de 13.084. O resultado indica um declínio sem precedentes de quase 80% nos últimos seis anos.

Aguardamos com receio os resultados iminentes da segunda maior população da África Oriental, Ruaha-Rungwa (13.384km²), também no sul da Tanzânia, onde um grande número de carcaças frescas foi relatado na reserva de Rungwa Game e partes do Parque Nacional Ruaha.

O cenário tende a ser igualmente sombrio na Tanzânia Ocidental (Katavi-Rukwa, Ugalla, Moyowosi-Kigosi), onde pesquisas demográficas realizadas em 2009/2010 indicaram níveis de caça semelhantes ou mesmo piores do que no Selous.

Na África Central, um extenso estudo que reúne dados de pesquisa a partir de 80 locais estimou um declínio de 62% nas populações de elefantes africanos da floresta entre 2002 e 2011, e estes dados já são de dois anos atrás.

Elefantes no leito do Rio Ruaha (fotografia: Trevor Jones)

Manadas do Sul estão cada vez mais vulneráveis

A África do Sul não foi atingida tão duramente quanto o resto do continente - ainda -, mas todos os relatórios indicam que a situação está piorando.

A caça ilegal é intensa em Moçambique e agora está afetando também o Parque Nacional Kruger, na África do Sul, que é, parcialmente, uma continuação do Parque Nacional do Limpopo, em Moçambique. É uma parte do transfronteiriço Peace Park.


Como a África Oriental e a África Central foram esvaziadas de seus elefantes, é razoável esperar que os responsáveis pela caça ilegal se concentrem cada vez mais sobre as populações do Sul

O comunicado de imprensa da IUCN foi divulgado durante o Encontro Internacional de Elefantes, realizado há algumas semanas em Gaborone, Botsuana. 

O que está acontecendo nesse país, que é extremamente importante para os elefantes, não está claro, mas o presidente Khama, em seu discurso de boas-vindas aos representantes, adotou um tom que era ao mesmo tempo comovente e mais realista do que o da IUCN: 

“Os recursos humanos e naturais da África foram pilhados e saqueados durante gerações por pessoas de terras distantes. Escravidão, pilhagem de artefatos arqueológicos, de minerais, da fauna e da flora... O continente e seu povo foram vítimas, durante muito tempo, de interesses egoístas de outros continentes. E hoje continua... Nossos marfins de elefante e chifres de rinoceronte estão indo para países onde são usados Deus sabe como! Só para satisfazer crenças obsoletas ridículas, enquanto continuamos com carcaças, como prova de que um dia possuímos estes magníficos animais.”

Números enganosos
Então no que se baseou a previsão da IUCN?
Parece ter se baseado numa combinação de análise de dados de carcaças do programa MIKE (Monitoring the Illegal Killing of Elephants) da CITES e uma estimativa da população de elefantes no continente africano apresentada pelo AfESG (African Elephant Specialist Group) da IUCN, no African Elephant Database (AED).
O banco de dados do MIKE tem como objetivo indicar níveis de caça ilegal em 42 localidades em todo o continente, com exceção de um pequeno número de áreas bem monitoradas (notavelmente Laikipia-Samburu, no Quênia), entretanto, geralmente os esforços de monitoramento e níveis reportados são inadequados, e esses dados devem ser tratados com extrema cautela. 
Enquanto que o AED coleta estimativas de populações a partir de pesquisas científicas, a maioria desses dados estão agora significativamente ultrapassados, dada a atual rapidez de declínio demonstrada no Selous e em todos os lugares.
Por exemplo, a maioria das estimativas para a Tanzania são de 2009; para Botswana, de 2006; e para o Zimbábue, Gabão, e República Democrática do Congo, são ainda mais antigas do que 2006.
A realidade é que esse banco de dados não consegue acompanhar as taxas atuais de declínio das populações.
Com base nessas informações ultrapassadas, o AfESG e a IUCN citam um número de 500 mil elefantes africanos restantes na natureza. 
Suspeitamos que a metade desse número seja mais próxima na verdade. 
Uma família de elefantes em uma poça de lama em Ruaha (fotografia: Trevor Jones)

Caindo na Realidade
O amplamente divulgado trecho da IUCN não é apenas uma grave subestimativa de quantos elefantes provavelmente perderemos nos próximos dez anos, “se os níveis atuais de caça ilegal persistirem,” mas também desvia a atenção das perdas sem precedentes de elefantes que já ocorreram durante a última década. 
Observando o método de previsão da IUCN/MIKE, temos a obrigação moral de apontar que, de acordo com as mais recentes e confiáveis informações científicas, muitas das antigas grandes populações podem ter sido 100% eliminadas nos próximos cinco anos. 
Entre as localidades que nesse prazo tão próximo poderão não ter mais elefantes estão: Zakouma, no Chade; Yankari, na Nigeria; Virunga, na República Democrática do Congo; Caprivi, na Namibia; Garamba, na República Democrática do Congo; Queen Elizabeth, em Uganda; e, agora, Selous-Mikumi, na Tanzania.
Numa era de tantas espécies ameaçadas e em declínio, todas justificadamente motivando nossa preocupação e proteção, uma previsão de perda de 20 porcento dos elefantes africanos na próxima década parece, superficialmente, relativamente insensível.
A realidade é muito pior, e o problema muito mais urgente, e declarações enganosas vindas de respeitadas organizações de conservação podem fazer retroceder os esforços de recuperar o importante apoio internacional e as ações em solo que são necessárias para que se tome uma nova direção.
Nunca é fácil saber quantos elefantes ainda restam, nem fazer previsões —e proteção e bem-estar de elefantes são muito mais do que uma questão de números. De fato, em muitos locais onde sabemos que as populações estão sendo dizimadas, não temos tempo para esperar por mais informações. Temos que, simplesmente, agir.
Na política moderna de conservação, entretanto, os números são imensamente importantes — Esperamos que o recentemente anunciado censo aéreo pan-africano, agendado para 2014, traga uma visão mais clara do que já perdemos em todo o continente. 
Mais do que tudo, temos que assegurar que a informação levada ao domínio público seja a mais real possível.
Drs. Trevor Jones e Katarzyna Nowak são diretores do Udzungwa Elephant Project, no sul da Tanzania.

Link para o texto original da National Geographic. 

Tradução, revisão e edição: Amanda Lourenço, João Paiva, Teca Franco, Junia Machado.

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