domingo, 13 de janeiro de 2013

Jogando uma luz intensa sobre o massacre dos elefantes africanos

Alimentada pelo aumento da demanda por marfim, a grande matança de elefantes africanos chegou a um nível monumental. Em uma entrevista com a Yale Environment 360, o repórter do New York Times Jeffrey Gettleman discute a sua investigação a fundo sobre o fatal comércio do marfim, que envolve o apoio das forças militares americanas em várias nações africanas.

Por Christina M. Russo, Yale Environment 360

Com a matança dos elefantes africanos aumentando drasticamente nos últimos tempos, devido à escalada do preço global do marfim, poucos artigos têm transmitido a extensão e a brutalidade desse comércio tão vividamente quanto o artigo escrito no começo deste mês pelo jornalista do New York Times Jeffrey Gettleman. Intitulado “Elephants Dying in Epic Frenzy as Ivory Fuels Wars and Profits” (Elefantes Morrem num Frenesi Épico Enquanto o Marfim Abastece Guerras e dá Lucro), o relato de Gettleman descreve como milhares de elefantes estão sendo assassinados por causa de suas presas, com a carnificina sendo cada vez mais realizada pelos exércitos africanos ou por grupos armados e extremamente bárbaros que usam as presas dos elefantes para sustentar suas violências.

Em uma entrevista para a colaboradora da Yale Environment 360 Christina M. Russo, Gettleman, correspondente-chefe do New York Times no Leste Africano, explicou como as semanas que passou no campo o ajudaram a montar o quebra-cabeça do elaborado comércio de marfim que é largamente alimentado pela demanda chinesa e que envolve elementos de forças militares do Congo, do Sudão do Sul e de Uganda – todos eles recebendo algum financiamento ou treinamento do governo americano. 

 
Gettleman, que recebeu o prêmio Pulitzer 2012 de Jornalismo Internacional, também discutiu sobre como grupos infames – incluindo o Exército de Resistência do Senhor (Lord’s Resistance Army – LRA); o janjaweed, em Darfur; e o grupo islamita Shabab – participam da caça ilegal de elefantes.

Jeffrey Gettleman
Gettleman observa que a atual dizimação de manadas de elefantes é emblemática, que deriva de um problema ainda maior que assola o povo africano e seu patrimônio natural, que um dia foi tão rico: a omissão do Estado. “É por isso que tantos elefantes estão sendo mortos na África Central”, ele diz, “porque é provavelmente a parte mais instável da África e onde há áreas enormes completamente sem lei”.

Yale Environment 360: Esse artigo não é somente sobre a enorme matança dos elefantes na África, mas sim sobre a militarização dessa matança. Você identificou o exército de Uganda, do Congo e do Sudão do Sul, todos como participantes dessa matança. E ainda há os grupos de milícias. Então, o que aconteceu, aparentemente ao mesmo tempo, para que todos esses grupos se voltassem para o marfim como uma fonte de renda?

Jeffrey Gettleman: Eu não acho que foi tudo ao mesmo tempo. Eu acho que isso tem acontecido por muitos anos, desde que o preço do marfim atingiu recordes. O SPLA (Exercito Popular de libertação do Sudão), no Sudão do Sul, tem caçado animais selvagens por muitos anos... O SPLA tem caçado ilegalmente rinocerontes talvez há 20 ou 30 anos, para ajudar a financiar sua rebelião. Eles também têm caçado ilegalmente elefantes por causa do marfim, desde então. O exército do Congo também tem feito isso por muitos anos. E o LRA parece estar fazendo isso relativamente há pouco tempo. E eu acho que isso é porque eles estão circulando em uma parte do Congo onde existem elefantes – Parque Nacional de Garamba – e porque o preço do marfim está muito alto.

O que é interessante é que até mesmo esses grupos ralés, como o LRA, que estão operando em lugares super-remotos e de difícil acesso, onde há pouco contato com o resto do mundo – poucas estradas, poucas cidades, sem recepção de celular –, de algum modo descobriram que marfim agora vale muito dinheiro. E eles se aproveitaram disso. Então, em meio às informações que eles estão recebendo, também estão chegando notícias sobre o mercado mundial do marfim. É um exemplo muito interessante de globalização: há essa cobiça por marfim na China, a milhares de quilômetros de distância, e essa informação repercute nesses homens que estão se escondendo no mato e fugindo para salvar suas vidas. Eles estão sendo perseguidos pelo exército de Uganda e até mesmo por forças especiais americanas.

Então, a resposta mais curta é que isso é um fenômeno que tem acontecido por um bom tempo, mas que houve um aumento na atividade por causa do preço alto do marfim.


e360: Esses grupos estão brigando entre si para controlar os territórios onde os elefantes vivem?

Gettleman: Não, e eu pesquisei sobre isso. Eu acho que houve confrontos entre caçadores – quando eles, por acaso, se encontram no mato, acontecem tiroteios. Mas nós estamos falando de áreas enormes. Então há espaço suficiente para que todos esses grupos diversos se apropriem de uma área onde eles caçam elefantes e não haja muitos casos de encontros acidentais entre eles. Até mesmo no Parque Nacional de Garamba (República Democrática do Congo), a área onde o LRA estava caçando elefantes era um pouco afastada daquela onde o SPLA foi descoberto também caçando elefantes. E o exército do Congo circula nessa área também, mas ela é enorme. A gente está falando de milhares e milhares de quilômetros de terreno acidentado.

(No caso do massacre de Camarões) o interessante a respeito do janjaweed é que eles foram muito longe – pelo menos 960km numa longa jornada até Camarões, e depois voltaram. Isso sugere um certo apoio financeiro e possivelmente mesmo capacidade de planejamento para poder realizar uma jornada tão longa e retornar com o marfim. 


Elefantes massacrados por causa de suas presas de marfim no Parque Nacional de  Bouba Ndjida, em Camarões, em Fevereiro de 2012. Conforme o preço do marfim sobe, dezenas de milhares de elefantes Africanos estão sendo mortos anualmente por causa de suas presas. (AFP/Getty Images)

e360: Há algum grupo – militar ou de milícia – que é mais culpado que os outros?

Gettleman: Parece que o exército do Congo é o mais criminoso de todos esses diversos exércitos. Eu conversei com pessoas que estudam essas questões bem de perto e eles disseram que nenhum exército na África é tão ruim quanto o exército do Congo, quando se trata de caça ilegal. O exército do Congo é um verdadeiro caos. Eles estão implicados em inúmeras violações dos direitos humanos, abusando de civis, queimando vilas, roubando recursos naturais do Congo, como ouro, diamantes, coltan e outros minerais. Então não é uma surpresa que eles estejam caçando elefantes, que também são um recurso natural da área onde eles operam.

E então começamos a entrar em um problema ainda maior, que é a falência do Estado. A razão de o exército do Congo ser tão indisciplinado e atacar o próprio povo e o meio ambiente é que o Estado é extremamente fraco. O governo central do Congo praticamente não controla seu território, e, em algumas áreas, ele é completamente irrelevante. O Congo tem um legado de décadas de desgoverno, muitas vezes bastante brutal. E agora nós estamos vendo isso ser demonstrado contra os elefantes. O exército do Congo é notório por não receber salário, por ser indisciplinado e por fazer qualquer coisa para conseguir dinheiro, mesmo que de maneira ilegal.

e360: Esses militares estão sendo financiados e até mesmo treinados pelo governo americano. Então quais são as implicações desse suporte e desse treinamento, se esses exércitos estão envolvidos na caça de espécies ameaçadas de extinção?

Gettleman: Isso levanta uma questão: será que os Estados Unidos deveriam estar trabalhando com militares que estão quebrando leis nacionais e internacionais? E será que os Estados Unidos deveriam usar sua posição de aliado para discutir algumas dessas questões? Os Estados Unidos são próximos de vários exércitos na África. Eles têm interesses em comum, como lutar contra o terrorismo e prevenir instabilidades. Os Estados Unidos doam milhões de dólares todos os anos para as forças de defesa de Uganda. Uganda está ajudando a Somália fornecendo forças de paz. Os Estados Unidos já providenciaram inúmeros programas de treinamento, levando para lá oficiais ugandenses e mandando oficiais americanos para Uganda. Então, essa situação de Uganda estar envolvida em alguns desses incidentes levanta a dúvida de se os recursos americanos estão sendo usados para matar elefantes. Porque os Estados Unidos estão pagando pelo combustível de helicópteros em Uganda como parte dessa operação para encontrar Joseph Kony e os líderes do LRA. Se o exército de Uganda realmente matou elefantes de um helicóptero (alegadamente na República Democrática do Congo), será que esse helicóptero não teria sido abastecido com combustível pago pelo governo americano? Algumas pessoas – que são citadas no meu artigo – fizeram essa pergunta. Os ugandenses negam. Não há nenhuma testemunha e ninguém achou a arma que os vincularia a esse incidente. Mas há muita suspeitas e muita evidência circunstancial.

Os exércitos do Congo e do Sudão do Sul também são treinados e parcialmente financiados por contribuintes de impostos americanos. Agora, então, a questão é esta: será que os Estados Unidos deveriam  usar sua posição de aliado para discutir esses abusos cometidos por militares que o governo americano está financiando? 



Guardas florestais inspecionam um Elefante Africano da Floresta morto por caçadores no Parque Nacional de Dzanga-Ndoki, na República Centro-Africana. (Foto: TRAFFIC/Martin Harvey/WWF-Canon)

e360: O seu artigo lançou luz sobre a complexidade dessa questão sobre a caça ilegal – ele fala sobre a política externa, o mercado global, o exército, a pobreza, a corrupção, a ganância. Os envolvidos são civis, soldados, oficiais e homens de negócios. Como essa situação pode parar, com tantas pessoas envolvidas, em tantos níveis?

Gettleman: Bom, essas são boas questões. Uma razão pela qual a gente fez essa história é porque ela se conecta com esses problemas mais amplos dessa parte da África. E não é somente sobre os animais que estão sendo mortos. É sobre pessoas que estão sendo mortas, sobre áreas que estão sendo desestabilizadas. É sobre grupos rebeldes que estão conseguindo mais recursos para financiar o caos que eles provocam. Como o LRA, que é um dos grupos mais brutais do mundo. Eles sequestram milhares de crianças. Eles matam centenas de pessoas de forma violentíssima. Eles aterrorizam essa grande área no meio da África e escapam mais ou menos impunes. E agora eles estão meio que encurralados nessa parte da África Central, sendo perseguidos por todas essas diferentes forças e usando o marfim como fonte de financiamento para continuar.

Então isso me interessou: como essa carnificina e a caça ilegal de elefantes se conectam com essas grandes questões que eu passei tanto tempo cobrindo. Eu já escrevi muitas histórias sobre o LRA. Eu já escrevi muitas histórias sobre o janjaweed. Eu escrevi histórias sobre os abusos feitos pelo exército congolês. Então é tudo muito interligado... Isso é o que faz esta questão ser tão difícil de resolver. Porque muitas dessas questões estão diretamente ligadas à falência do Estado. E é por isso que tantos elefantes estão sendo mortos na África Central, porque é provavelmente a parte mais instável da África e onde há várias áreas imensas completamente sem lei.

Então há duas questões: a da oferta e a da procura. A procura tem que ser discutida, porque o preço do marfim está tão alto, agora, que muitas pessoas estão entrando nesse negócio. Então todo mundo concorda que alguma coisa tem que ser feita na China para diminuir o seu apetite por marfim. Se não, é como o tráfico de drogas: enquanto houver uma demanda enorme, é impossível de ser controlado. Olha quanto dinheiro é gasto tentando evitar a entrada de drogas ilegais no país e, mesmo assim, o resultado não aparece.


Quanto à oferta, o problema é extremamente difícil, já que várias questões que conduzem à caça ilegal estão profundamente enraizadas na África, como a corrupção, a pobreza e as imensas áreas desprovidas de lei. Ninguém vai conseguir policiar a República Centro- Africana ou o Congo, de modo efetivo, tão cedo. Então, provavelmente, esse não é o melhor lugar para começar. Talvez pudéssemos proteger melhor os elefantes em áreas específicas, como parques nacionais, mas os elefantes se deslocam para dentro e para fora desses parques. E até mesmo a África do Sul, que tem mais recursos do que o resto da África, ainda tem problemas com a caça ilegal de rinocerontes e elefantes. É uma situação muito difícil de ser resolvida rapidamente, porque está ligada a muitas dessas questões.

e360: Para continuar com o lado da procura: a China é, obviamente, a maior culpada. O marfim é contrabandeado para lá e, depois, ironicamente, transformado nos objetos mais triviais, como marcadores de livros e palitos – agora com preço acessível para a classe média emergente chinesa. Robert Hormats, subsecretário de Estado para o Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente, falou que a secretária de Estado Hillary Clinton estava postergando a questão do marfim com a China. Você já viu alguma evidência disso?

Gettleman: Eu não vi nenhuma evidência disso. Quando eu o entrevistei [Hormats], eu perguntei o que eles iam fazer sobre esse problema da caça ilegal de elefantes, e ele disse que estão tentando trabalhar com os governos nos locais onde isso está acontecendo, e então eu trouxe o problema da demanda na China. E a pergunta foi: como pressionar a China, que é famosa por sua resistência a pressões políticas em questões ligadas à sua soberania? As pessoas com quem eu falei e que conhecem bem a China dizem que, na discussão, o melhor é ser superdiplomático, com conversas discretas, íntimas. E não fazer uma campanha de grande exposição pública contra os chineses. Então talvez seja isso que eles estejam fazendo – ou talvez não.



Funcionária do grupo de conservação Traffic inspeciona marfim apreendido na Malásia. O mercado global de marfim é fortemente impulsionado pela demanda da China e de várias outras nações asiáticas. (Foto: TRAFFIC)

e360: O problema com o consumo de marfim da China é que não acontece somente no continente. Está também ligado ao crescimento da presença da China na África. Você pode explicar isso?

Gettleman: Então você tem a demanda proveniente da própria China, mas também há mais chineses trabalhando na África do que jamais houve antes – mais de um milhão de pessoas trabalhando em mineração, infraestrutura. E há alguma correlação entre o aumento de caças ilegais em certas áreas e a presença de chineses nessas mesmas áreas. Diz-se, até como piada, que, onde há chineses, o preço do marfim aumenta na região. Além disso, mais de cem chineses foram apanhados contrabandeando marfim. Da Nigéria para o Congo, para o Quênia, cidadãos chineses foram pegos levando marfim entre as fronteiras. Isso é um fato.

e360: Você cobriu a África por vários anos e frequentemente focou em assuntos muito intensos e emocionais, incluindo fome, doença e abusos. Você já tinha feito muitas reportagens sobre caça ilegal antes? E como isso se encaixa com todas essas histórias sobre sofrimento que você cobriu tão extensivamente?

Gettleman: Eu acho que isso é uma forma muito interessante de olhar para essa questão. Eu acho que existe muita brutalidade nessa parte do mundo em que eu atuo. Eu passei muito tempo buscando esses abusos horríveis que as pessoas sofrem, e, agora, estamos vendo esses abusos sendo cometidos contra animais – a mutilação sexual, a mutilação dos seus genitais. É uma matéria muito perturbadora de se lidar. Eu tento ter a mesma compaixão e empatia que eu tenho com outras histórias. Eu não vou ficar tão envolvido emocionalmente com o sofrimento de elefantes como eu fico com o de pessoas. Mas eu acho que elefantes são especiais, animais extremamente inteligentes, com qualidades muito parecidas com as nossas, e é importante lembrar às pessoas que existe essa questão envolvendo o abuso desses animais.  Os bebês de elefantes estão morrendo, e os adultos, sofrendo.

Eu vejo minha missão como a de tentar fazer com que as pessoas se sintam conectadas com o que eu estou escrevendo. Se é sobre mulheres sendo abusadas, ou pessoas sofrendo no Sudão, ou elefantes, eu quero dar a elas os detalhes e a emoção. É importante ser objetivo. A gente precisa olhar para ambos os lados da questão, ser um observador objetivo, porque esses lados têm uma participação. Mas dito isto, você não precisa ficar paralisado. Eu não quero ficar emocionalmente neutro. 


Um elefante morto por causa de seu marfim, no Chade. (Foto: SOS Elephants of Chad/Stephanie Verignault)

Link para o artigo original.

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