terça-feira, 15 de maio de 2012

A natureza numa caixa: o retrato dos animais de zoológico na literatura canadense

Brilhante artigo escrito por nosso colega indiano Shubhobroto Ghosh, no qual ele aborda a vida nos zoos, a literatura canadense sobre o assunto e a verdadeira essência da necessidade da transferência das elefantas Iringa, Toka e Thika do Zoo de Toronto para o Santuário PAWS, na Califórnia. A transferência das elefantas foi aprovada pela Câmara Municipal de Toronto e estava prevista para abril deste ano, mas questões levantadas pelo zoo, que ainda estão em discussão, fizeram com que uma nova data fosse planejada para o final de junho. Esperamos que Iringa, Toka e Thika possam, finalmente, desfrutar de uma vida na natureza, como merecem.
 
 

Por: Shubhobroto Ghosh

Recentemente, tenho sido bombardeado por mensagens a respeito da transferência dos elefantes do zoo de Toronto para o Santuário PAWS (Performing Animal Welfare Society), na Califórnia – Estados Unidos – e tenho me lembrado constantemente de uma declaração da poeta canadense Margaret Atwood: “A natureza representa, para os zoológicos, o que Deus representa para as Igrejas”. Uma comparação intrigante, mas, dado o estado da maioria dos zoológicos no mundo todo, e certamente no Canadá, seria mais apropriado dizer: “A estética nos zoológicos é similar à pornografia na arte”. Há tantos livros escritos sobre zoos, especialmente no Ocidente, que as pessoas têm inúmeras opções de escolha quando consideram esse tema. Se as visitas de crianças aos zoos têm o objetivo de ajudar as pessoas a medir a verdadeira beleza e o valor da natureza, então essas instituições estão muito aquém de seus objetivos.

Tradicionalmente, no Canadá ou em qualquer outro país, uma visita ao zoológico tem como objetivo ser um exercício de reconexão com a natureza para cidadãos que perderam totalmente o contato com animais e plantas. E, como qualquer outra instituição, os zoos estão retratados na literatura em todos os países, incluindo o Canadá. Meu colega Rob Laidlaw, diretor da Zoocheck Canada, escreveu um livro para crianças que questiona a ética e os objetivos dos zoos convencionais. Como uma organização sediada em Toronto, que monitora zoos nos Estados Unidos e no Canadá, está em uma posição privilegiada para comentar o assunto. O livro de Rob, como um volume de não ficção, desvenda os mitos que envolvem os zoológicos, pelo menos os tradicionais, que armazenam a maior quantidade possível de animais.

Um escritor canadense chamado Yann Martel ganhou o Booker Prize em 2002 escrevendo um romance sobre uma estadia em um zoo, chamado “A Vida de Pi”. O livro narra as aventuras de um menino chamado Pi Patel, que faz uma viagem com animais de um zoológico e vira náufrago com um tigre. O enredo é de romance, os personagens, tanto o humano quanto o animal, são encantadores, e percebi que a experiência de Yann Martel foi baseada no Zoo Trivandrum, na Índia. Lendo os trabalhos literários desses três canadenses e também os trabalhos científicos mais conhecidos de David Suzuki, penso que a perspectiva canadense sobre zoológicos é, na verdade, uma exibição do pleno retrato dos animais em cativeiro.

O zoo moderno é, por princípio, um produto do colonialismo, e o primeiro exemplar dessa instituição (zoo) foi inaugurado em Londres, em 1826 (o zoo de Viena teve início antes, mas, como a Grã-Bretanha era um império mundial naquela época, decidiu-se que o zoo do Regent’s Park fosse o primeiro zoo moderno da História). A ideia de ver animais exóticos em um cenário de cativeiro era atrativa para o público ocidental e, até hoje, ainda temos resquícios daquela curiosidade de antigamente. Um exemplo trágico e totalmente equivocado de curiosidade humana foi a exposição de Ota Benga, um pigmeu congolês que foi colocado no Zoo do Bronx, em Nova York, em 1901. Ota Benga ficou em exposição junto com os grandes símios, mas a exibição foi interrompida depois que alguns líderes religiosos fizeram objeção a ela, afirmando ser antiética. Muitos artigos foram escritos sobre essa vergonhosa exposição do preconceito humano, e um livro foi totalmente dedicado a esse triste episódio, intitulado “Ota Benga: O Pigmeu no Zoo”, escrito por Phillips Verner Bradford e Harvey Blume e publicado pela St. Martin’s Press, em 1992. Ele não era o único, pois registros europeus daquela época falam sobre a exibição de tribos indígenas não europeias, vindas do mundo todo, na Europa e na América do Norte, como objeto de curiosidade.

Animais de zoológicos retratados na literatura, como nos poemas de Margareth Atwood, representam uma dicotomia do relacionamento do homem com a natureza. Com base em observações feitas no Zoo de Toronto, os animais de Margareth Atwood representam uma ampla variedade de tipos de animais. Como críticos literários, Kathryn Van Spanckeren e Jan Garden Castro declararam que suas observações sobre os animais do zoo representam um retrato da vida em diferentes níveis de existência e destacam a vulnerabilidade de todas as coisas mortais. Sua descrição dos animais do zoo também chama a atenção para a interdependência entre o ser humano e os outros animais.

Enquanto Atwood e Martel, no Canadá, optaram por analisar os animais de zoos na ficção, Laidlaw e Suzuki o fizeram na não ficção. A verdade é ainda mais incrível que a ficção, costuma-se dizer, e assim como qualquer outra literatura tradicional no mundo, a tradição na literatura canadense sobre animais em zoos se aplica a ambos os sexos. O livro de Laidlaw, “Animais Selvagens em Cativeiro”, concentra-se na educação de crianças e jovens, frequentadores de zoológicos e potenciais frequentadores. Qualquer canadense amante da vida selvagem ficaria impressionado com a natureza do atual debate do Zoo de Toronto sobre seus elefantes. A falta de disposição do mesmo para deixar seus paquidermes irem embora é, infelizmente, totalmente característica da irracionalidade que a comunidade de zoológicos exibe em todos os lugares.


 Toka, uma dos três elefantas remanescentes do zoo de Toronto
(Foto: Sandy Nicholson, publicada no artigo
"What the Elephants Know", de Nicholas Hune-Brown)


É importante notar que a análise canadense dos zoológicos na literatura, tanto de ficção como de não ficção, tem tido impacto internacional. Tanto Atwood como Martel são muito conhecidos no mundo de língua inglesa. O livro de Laidlaw foi muito bem recebido na Índia, e os trabalhos de David Suzuki servem como referências úteis para qualquer amante da natureza no mundo todo.

Em um contexto mais amplo, esses trabalhos canadenses também encontraram eco nos trabalhos de Farley Mowat, um dos autores de história natural mais lidos do Canadá. Todos esses escritores têm redigido suas reflexões sobre os animais e a natureza  conforme sua imaginação e suas observações são requeridas ou sejam adequadas a eles. Fazendo isso, eles têm levado muita gente a pensar sobre a tênue relação da humanidade com o mundo natural. Os caçadores canadenses aparecem nas manchetes internacionais todos os anos durante a caça anual às focas. Seriam os canadenses e a comunidade internacional mais ou menos afetados ao lerem esses autores enquanto testemunham essa matança? Não há uma resposta clara, pois não se pode afirmar com segurança se há exclusividade nos escritos de Atwood ou Martel sob uma perspectiva canadense. Mas, pelo menos em uma ocasião, a tradição na literatura de não ficção canadense cruzou fronteiras. A literatura de história natural canadense me ajudou a refinar minhas impressões sobre a Índia no que tange à conservação e me ajudou diretamente no meu projeto sobre zoos. Isso deixaria felizes Atwood, Martel, Laidlaw, Suzuki, Mowat e seus admiradores canadenses.


Link para o artigo original.

Shubhobroto Ghosh conduziu uma investigação sobre os Zoos Indianos, com o apoio direto da Zoocheck Canada. Ele trabalha numa ONG de conservação na India e é um ávido leitor de história natural.