sábado, 22 de dezembro de 2012

Elefantes Morrem num Frenesi Épico Enquanto o Marfim Abastece Guerras e dá Lucro


Por Jeffrey Gettleman
The New York Times


Parque Nacional de Garamba, na República Democrática do Congo – Em 30 anos de luta contra caçadores ilegais, Paul Onyango nunca vira nada parecido: vinte e dois elefantes mortos, incluindo vários filhotes, agrupados na savana aberta, muitos abatidos com uma única bala no topo da cabeça.
 

A Guerra do Marfim: pelotões fortemente armados de guardas florestais 
no Parque Nacional de Garamba, República Democrática do Congo, 
travam uma guerra contra os caçadores de elefantes.


Não havia pegadas ou rastros, nenhum sinal de que os caçadores espreitaram suas vítimas. As presas foram retiradas a machadadas, mas a carne continuava intacta – e caçadores de subsistência quase sempre talham um pouco de carne para a longa caminhada de volta para casa.

Vários dias depois, no começo de abril, guardas do Parque Nacional de Garamba localizaram um helicóptero militar de Uganda voando em baixa altitude sobre o parque, num voo não autorizado, e disseram que o helicóptero abruptamente fez a volta e foi embora ao ser detectado. Oficiais do parque, cientistas e autoridades congolesas agora acreditam que militares de Uganda – um dos parceiros mais próximos do Pentágono, na África – mataram os 22 elefantes de um helicóptero e levaram mais de um milhão de dólares em marfim.

“Foram tiros bons, tiros muito bons,” disse o sr. Onyango, chefe dos guardas florestais de Garamba. “Eles mataram até os bebês. Por quê? Parece que vieram só para destruir tudo.”

A África está no centro de uma chacina épica de elefantes. Grupos conservacionistas dizem que os caçadores ilegais estão matando milhares de elefantes por ano, mais do que em qualquer época nas últimas duas décadas, e o comércio ilegal de marfim está ficando cada vez mais militarizado.

Como os diamantes de sangue de Serra Leoa ou a pilhagem de minerais do Congo, o marfim, assim parece, é a mais recente fonte de conflitos na África, subtraído de zonas remotas de batalhas, facilmente convertido em dinheiro e agora abastecendo conflitos pelo continente.

Alguns dos grupos armados mais notórios da África, como o Lord’s Resistance Army e os janjaweeds de Shabab e Darfur, estão caçando elefantes e usando suas presas para sustentar sua desordem. Sindicatos do crime organizado estão se unindo a eles para movimentar o marfim pelo mundo, explorando estados turbulentos, fronteiras porosas e oficiais corruptos, da África Subsaariana para a China, dizem as forças policiais.

Mais não são só os fora da lei que estão envolvidos. Membros de alguns exércitos africanos treinados e sustentados pelo governo americano com milhões de dólares do contribuinte – como os militares de Uganda, o exército congolês e os militares do recentemente independente Sudão do Sul – estão implicados na caça ilegal de elefantes e no negócio do marfim.

Soldados congoleses são frequentemente presos por isso. Forças do Sudão do Sul frequentemente combatem guardas florestais. A Interpol, rede de polícia internacional, está ajudando a investigar a matança em massa de elefantes no Parque de Garamba, tentando comparar exemplos de DNA dos crânios dos animais com uma enorme carga de presas, marcadas como “utensílios domésticos”, recentemente confiscada no aeroporto de Uganda.

A grande maioria do marfim ilegal – 70%, segundo especialistas – vai para a China, e, embora o marfim seja cobiçado há séculos, nunca tantos chineses puderam adquiri-lo como agora. O boom econômico chinês criou uma vasta classe média, elevando o preço do marfim para estratosféricos US$ 1.000,00 por libra nas ruas de Pequim (o que equivale
equivale a 0,4536 kg).

 A África está no meio de uma matança épica de elefantes. Grupos de conservacionistas afirmam que os caçadores estão liquidando dezenas de milhares de elefantes por ano, mais do que em qualquer época nas duas décadas anteriores, com o mercado de marfim ilegal se tornando incrivelmente militarizado. O Parque Nacional de Garamba, na República Democrática do Congo, é um campo de batalha, com uma corrida armamentista acontecendo através da savana. 
Foto: Tyler Hicks/The New York Times


Oficiais de alto escalão do Exército da Liberação do Povo (ELP) chinês têm uma predileção por presentes feitos de badulaques de marfim. Fóruns na internet oferecem um mercado próspero e não regulamentado de palitos usados como talheres, marcadores de livro, anéis, cuias e pentes, além de dicas de como contrabandear os objetos (enrolá-los em papel-alumínio, segundo um dos sites, para enganar as máquinas de raio x dos aeroportos).

Ano passado, mais de 150 cidadãos chineses foram presos na África, do Quênia a Nigéria, por contrabando de marfim. Há evidências de que a caça ilegal aumentou em países com ricas populações de elefantes em áreas onde trabalhadores chineses constroem estradas.

“A China é o epicentro da demanda,” diz Robert Hormats, um oficial veterano do Departamento de Estado americano. “Sem a demanda da China, isso tudo acabaria”.

Hormats disse que a secretária de Estado Hillary Rodham Clinton, que há alguns anos condenou os minerais vindos de zonas de conflito do Congo, levantou a lebre do marfim com os chineses e disse que iria “gastar tempo e esforço consideráveis nessa questão e discutiria o assunto ousadamente”.

Há gerações estrangeiros vêm dizimando as populações de elefantes africanos. O “ouro branco” foi uma das razões primordiais pela qual o rei Leopoldo II da Bélgica transformou o Congo em seu feudo pessoal no final do século XIX, levando as lutas pelo marfim a excessos de brutalidade. Esses fatos foram relatados, em forma de ficção, por Joseph Conrad em seu livro “O Coração das Trevas” e plantaram as sementes para a queda livre na qual o Congo se encontra hoje em dia.

A Costa do Marfim ganhou esse nome por causa das imensas manadas de elefantes que costumavam habitar suas florestas. Hoje, depois de décadas de carnificina, quase não existe mais marfim.

A demanda por marfim aumentou tanto que as presas de um único elefante adulto pode vir a valer dez vezes mais que o valor de um salário anual em muitos países africanos.
 

Na Tanzânia, aldeões pobres envenenam abóboras e as despejam nas estradas para os elefantes comerem. No Gabão, caçadores de subsistência estão sendo recrutados para matar elefantes nas profundezas da floresta, e as presas, às vezes, são trocadas por um punhado de sal.

Monitores internacionais começaram a manter registros detalhados da caça ilegal na África a partir de 2002, e, no ano passado, os números atingiram seu maior nível. Em 2011, foi quebrado o recorde de apreensões de marfim no mundo: 38,8 toneladas (equivalentes a mais de 4.000 elefantes mortos). Oficiais de Justiça dizem que o aumento de apreensões é um nítido sinal de que o crime organizado se uniu ao mercado de marfim, porque só uma máquina criminal bem azeitada – com a ajuda de oficiais corruptos – pode deslocar centenas de toneladas por milhares de milhas através do mundo, frequentemente usando compartimentos secretos em contêineres especialmente construídos para tal.

Os contrabandistas são “sindicatos criminosos asiáticos com bases na África, que se adaptam facilmente às intervenções da lei, mudando constantemente rotas e modus operandi”, diz Tom Milliken, diretor do Projeto de Monitoramento Internacional do Marfim. 


Conservacionistas dizem que as mortes em massa que estão ocorrendo na África são tão ruins ou até piores que as ocorridas na década de 80, quando caçadores ilegais mataram mais da metade dos elefantes africanos, isso antes que a proibição internacional do comércio de marfim fosse finalmente efetivada.

“Estamos vivenciando o que parece ser a maior perda de elefantes da História”, diz Richard G. Ruggiero, oficial do Serviço de Pesca e Vida Selvagem americano.

Especialistas dizem que a sobrevivência da espécie está em risco, principalmente quando membros dos serviços de segurança africanos incumbidos de proteger os animais estão matando-os.

“As grandes populações do oeste da África desapareceram e as do centro e do leste estão sumindo rapidamente,” diz Andrew Dobson, ecólogo de Princeton. “A questão é: Você quer que seus filhos cresçam num mundo sem elefantes?”


Guardas florestais descobrem um elefante assassinado, sem o marfim, nas profundezas do parque. Alguns dos elefantes assasinados recentemente têm sido sexualmente mutilados, tendo seus genitais ou mamilos arrancados, possivelmente para venda — um fenômeno que os pesquisadores afirmam não ter visto antes. 
Foto: Tyler Hicks/The New York Times

‘Atiramos Primeiro’

O Parque Nacional de Garamba é um enorme e maravilhoso lençol verde, com 1.900 milhas quadradas, incrustado no canto nordeste do Congo. Visualize um mar de capim-elefante na altura do peito, serpentes de rios marrons, rolos de papiros e ocasionais pássaros, como a secretária preta e branca, deslizando com elegância através de céus cor-de-rosa. Fundado em 1938, Garamba é considerado um dos mais estonteantes parques da África, o sonho dos naturalistas.

Mas hoje é um campo de batalha. Toda manhã, pelotões de 140 guardas florestais de Garamba se armam com rifles, metralhadoras e granadas-foguete. Luis Arranz, diretor do parque, deseja adquirir aeronaves não pilotadas para fiscalização, e a organização sem fins lucrativos que administra o parque está considerando comprar óculos de visão noturna, coletes à prova de bala e caminhonetes com metralhadoras acopladas.

“Nós não negociamos, não damos avisos, atiramos primeiro,” diz o sr. Onyango, chefe dos guardas florestais, que trabalhou como fiscal da vida selvagem no Quênia por mais de 20 anos. Ele foi promovido a um alto posto, mas perdeu o emprego quando um caçador ilegal sob sua custódia morreu após ser chicoteado.

“Aqui não é michezo,” diz o sr. Onyango, usando a palavra brincadeira em swahili.

Em junho, ele ouviu uma profusão de tiros. Seus guardas florestais se arrastaram por horas por entre a grama-elefante até acharem caçadores ilegais retirando presas de diversos elefantes mortos. No instante em que seu esquadrão abriu fogo, a área virou um pandemônio, e os tiros vinham de todos os lados.

“Eles contra-atacaram com PKMs, AKs, G-3s e FNs”, disse. “A maioria dos caçadores ilegais são econômicos com a munição, mas esses caras estavam atirando como se estivessem no Iraque. De repente, percebemos que éramos menores, em número e armas.”

Duas metralhadoras dos guardas florestais emperraram naquele dia, e eles escaparam por pouco (desde 2008, 11 foram mortos, e filhos de alguns guardas florestais já foram sequestrados). Investigações subsequentes mostraram que os caçadores ilegais eram membros do Lord’s Resistance Army (LRA), um grupo rebelde brutal atuante na África Central que mata aldeões e escraviza crianças. Tropas das Operações Especiais Americanas estão ajudando diversos exércitos africanos a capturar Joseph Kony, líder do grupo, suspeito de estar escondido num canto remoto da República Centro-Africana.

O marfim pode ser a nova tábua de salvação de Kony.

Vários recém-foragidos do LRA disseram que Kony ordenou a seus combatentes que matassem a maior quantidade possível de elefantes e lhe enviassem as presas.

“Kony quer marfim,” disse uma jovem mulher sequestrada no começo deste ano perto de Garamba. Por ainda estar aterrorizada, ela não quis se identificar. “Eu ouvi rebeldes dizerem diversas vezes: `Precisamos obter marfim e mandar para Kony´.”

Em seus quatro meses de cativeiro, antes de conseguir escapar em uma noite em que os rebeldes estavam bêbados, ela viu 10 elefantes serem mortos e suas presas serem enroladas em sacos de pano e enviadas para Kony em seu esconderijo.

Outros recém-foragidos dizem que, desde maio, o grupo matou, no mínimo, 29 elefantes e, com a renda, comprou armas, munições e rádios. É possível que Kony esteja mancomunado com traficantes sudaneses de marfim. Um varejista de marfim em Omdurman, no Sudão, que vende abertamente pulseiras, terços e presas entalhadas de marfim, disse que uma das fontes do marfim era o LRA.

“O LRA trabalha com isso também. É assim que eles compram suas armas”, disse o lojista, informalmente. Oficiais americanos disseram que isso faz sentido, devido às poucas fontes de renda de Kony.

Vários comerciantes sudaneses de marfim disseram que o marfim do Congo e o da República Centro-Africana foram transportados por via terrestre através do vasto deserto da região de Darfur e, depois, levados para Omdurman, com a ajuda de oficiais sudaneses corruptos. Existe um costume no Sudão chamado “hora comprada”, em que contrabandistas pagam a oficiais e guardas alfandegários por uma específica quantidade de tempo para que um comboio com cargas ilegais passe pelos postos de controle das fronteiras.

Mas há várias rotas. Na costa leste da África, a cidade portuária de Mombasa, no Quênia, é o principal centro de transbordo. Uma pequena porcentagem dos contêineres em Mombasa é inspecionada, e o marfim é escondido em tudo quanto é tipo de carga, de abacates a anchovas. Algumas vezes são enrolados com pimentas chili, para enganar os cães farejadores.

No Golfo da Guiné, na costa oeste, “existe um fenômeno relativamente novo:  caçadores ilegais sofisticados e bem armados embarcam seu marfim em navios pesqueiros chineses,” disse um veterano oficial americano.

Oficiais chineses se recusaram a discutir qualquer aspecto do comércio de marfim com um representante do Ministério Florestal, que trata dos assuntos relativos ao marfim, dizendo: “Esse assunto é muito delicado, no momento”.

Diversos comerciantes de marfim sudaneses e oficiais do Ocidente dizem que as infames milícias janjaweed de Darfur eram integradas, em sua maioria, por caçadores ilegais. Grandes grupos de janjaweed – a palavra significa cavaleiro que ataca de surpresa – foram acusados de matar milhares de civis no começo do ano 2000, quando o conflito étnico explodiu em Darfur. Funcionários responsáveis pela aplicação da lei internacional dizem que os janjaweed de Darfur eliminaram milhares de elefantes na África Central nos anos 80. Agora, eles suspeitam que centenas de milícias janjaweed cavalgaram mais de 600 milhas desde o Sudão e foram os responsáveis pelo massacre de, no mínimo, 300 elefantes no Parque Nacional de Bouba Ndjida, em Camarões, em janeiro passado. Esse foi um dos piores massacres de elefantes recentemente descobertos.

Em 2010, soldados de Uganda, à procura de Kony nas florestas da República Centro-Africana, esbarraram numa caravana de marfim dos janjaweed. “Eram 400 caras, mulas para transporte, um grande acampamento e muitas armas,” disse um oficial ocidental. Uma batalha foi deflagrada, e 10 ugandenses foram mortos.

“Isso mostra o poder da caça ilegal e o quanto de dinheiro se pode ganhar ao entrar nesse jogo,” disse o oficial.

Homens de negócio estão bancando essas enormes expedições em busca de marfim, ao mesmo tempo auferindo lucros e fomentando os conflitos, dizem oficiais ocidentais.

“Isso não é coisa de caçadores eventuais,” disse o sr. Hormats, oficial do Departamento de Estado americano. “Isso é crime organizado.”

Paul Elkan, um diretor da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem, disse que a varredura feita pelos janjaweed na África Central, em caçadas ambiciosas de elefantes, “vai mais além do que um bando de caras atacando, montados a cavalo. Isso tem a ver com falta de segurança e falta de leis, ou seja, anarquia”.

Talvez nenhum outro país na África seja mais anárquico do que a Somália, que vem definhando por mais de 20 anos sem um governo central funcional, gerando militantes islâmicos, contrabandistas de armas, traficantes de seres humanos e piratas modernos. O marfim entrou nessa mistura ilícita.

Vários anciões somalis disseram que o Shabab, grupo militante islâmico que diz ter se aliado à Al Qaeda, recentemente começou a treinar combatentes para se infiltrarem no Quênia, o país vizinho, para matarem elefantes visando ao marfim, para levantar fundos.

Um antigo integrante do Shabab disse que o grupo estava prometendo  “facilitar o comércio do marfim” e encorajando aldeões ao longo da fronteira entre o Quênia e a Somália a trazer-lhe presas, que são embarcadas no porto de Kismayo, notório eixo de contrabando da última cidade principal ainda controlada pelo Shabab.

“O negócio é arriscado,” disse Hassan Majengo, um residente de Kismayo com conhecimento do comércio de marfim, “mas o lucro é excepcional”.

“Dinheiro Fácil”

O lucro não é perdido com propinas pagas a soldados da África Central, que ganham a bagatela de US$ 100 por mês, isso se realmente receberem.

Em Garamba, os guardas florestais prenderam vários soldados do governo congolês, sendo que alguns foram apanhados com presas, pedaços de carne de elefante e boinas vermelhas usadas frequentemente pela guarda de elite da Presidência.

“Um elemento do nosso exército está envolvido,” reconheceu o major Jean-Pierrot Mulako, promotor do exército congolês. “É dinheiro fácil.”

Soldados congoleses têm uma longa história de envolvimento em estupros e mortes de civis e em pilhagens. Segundo um relatório escrito em 2010 por John Hart, cientista americano e um dos principais pesquisadores de elefantes no Congo, os “militares congoleses estão implicados em quase toda caça ilegal de elefantes,” tornando o exército “o principal responsável pela matança ilegal de elefantes na República Democrática do Congo.”

Os guardas florestais de Garamba e um oficial da Inteligência do governo congolês disseram que eles também lutam rotineiramente com soldados do Exército de Libertação do Povo do Sudão, exército do Sudão do Sul. Um porta-voz do exército do Sudão do Sul negou o fato, e disse que os soldados “não tinham tempo” para a caça ilegal.

O governo americano forneceu US$ 250 milhões em assistência militar não letal para o Sudão do Sul nos últimos anos. Em maio, os guardas florestais de Garamba abriram fogo contra quatro soldados do Sudão do Sul que caçaram seis presas de elefantes. Os guardas florestais disseram ter matado um soldado, fato que não achavam ser de grande importância.

“Eu matei mais gente do que posso contar,” disse Alexi Tamoasi, guarda florestal veterano.

Mas a caça ilegal com helicóptero é algo novo.

O sr. Onyango disse que o modo estranho como as carcaças dos elefantes foram achadas, amontoadas em círculos, com os filhotes no meio para proteção, foi mais um indício de que o helicóptero os encurralou, porque elefantes normalmente se espalham ao primeiro tiro.

A Parques Africanos, organização sul-africana de conservação que administra Garamba, tem fotografias de um Mi-17, helicóptero de transporte militar, voando baixo sobre o parque em abril, e constatou que o helicóptero estava registrado no exército de Uganda. 


O coronel Felix Kulayigye, um porta-voz do exército de Uganda, reconheceu o helicóptero como sendo uma de suas aeronaves, mas disse que as acusações de caça ilegal eram “rumores sem fundamento” e que ele sabia “com certeza” que os membros do LRA eram “conhecidos” caçadores daquela área.


John Sidle, americano de Nebraska que trabalha como piloto em Garamba, disse: “O que me incomoda é que provavelmente o dinheiro da gasolina do helicóptero vem dos impostos pagos pelo povo americano.” 


Os Estados Unidos gastaram milhões de dólares nos últimos anos em gasolina e serviços de transporte para o exército de Uganda caçar Kony na África Central, enquanto treinam congoleses e sudaneses para ajudá-los. Entretanto, o Departamento de Estado disse que não havia evidências de que o exército de Uganda era responsável pelas matanças de Garamba, nem conhecimento de que qualquer um dos soldados envolvidos na caça a Kony se engajara na caça ilegal de elefantes. O Departamento de Estado não fez nenhuma observação sobre a extensa história de caça ilegal cometida pelos militares financiados pelos EUA.


Em junho, 36 presas foram apreendidas no aeroporto de Entebbe, em Uganda. Dos 22 elefantes mortos em Garamba, em março, 18 eram adultos que tiveram suas presas arrancadas, o que daria uma quantidade de 36 presas. As pequenas presas dos filhotes mortos não foram tocadas.


Em 1989, a CITES (Convenção Internacional para o Comércio de Espécies Ameaçadas), estabeleceu uma moratória no comércio internacional de marfim, exceto sob algumas circunstâncias. Ninguém sabe quantos elefantes estão sendo mortos por ano, mas muitos conservacionistas de ponta concordam que o número pode atingir “centenas de milhares” e que 2012 será provavelmente pior do que 2011.


A população total de elefantes na África também é um mistério. A União Internacional Pela Conservação da Natureza, uma rede global de conservação, estima entre 472.269 e 689.671. Mas isso é baseado nas informações de 2006. A caça ilegal se alastrou dramaticamente, desde então, por todo o continente africano.


Alguns elefantes mortos recentemente foram mutilados sexualmente. Seus genitais e mamilos foram cortados, possivelmente para venda, algo que os pesquisadores disseram jamais ter presenciado.


“É muito perturbador”, disse Iain Douglas-Hamilton, fundador de Salve os Elefantes, que recentemente foi testemunha numa audiência do Senado americano sobre marfim e insegurança.


“Como a Guerra às Drogas”

O sr. Arranz, diretor de Garamba, tem um olhar exausto. A História está contra ele. Garamba foi fundado há mais de 70 anos, em parte para proteger os raros rinocerontes do norte, que costumavam ser mais de 1.000. Mas muitas pessoas na Ásia acreditam que chifre de rinoceronte moído é uma cura para o câncer e outras enfermidades, e ele custa US$ 30.000 a libra (ou
0,4536 kg), mais do que o ouro. Nas últimas décadas, enquanto o Congo caía no caos, caçadores ilegais se mudaram para Garamba. Os rinocerontes do norte do parque eram os últimos vivos na natureza, mas os guardas florestais não têm avistado nenhum nos últimos cinco anos.

Garamba enfrenta, ao que parece, um número de desafios sem-fim, muitos relacionados à falência do Estado, no Congo. Alguns guardas florestais são caçadores ilegais e matam os animais que eles foram incumbidos de proteger, alegando que é impossível sobreviver com seus baixos salários. 


“Eu estava com fome,” explicou um guarda florestal preso por matar um antílope waterbuck.
Vários guardas florestais de Garamba admitem que são alcoólatras e têm dívidas no bar perto da sede do parque, o que não ajuda muito. O sr. Onyango, o chefe, bebe diversos litros de cerveja numa única noite. Ele culpa “o estresse.” 


O grau da caça ilegal atingiu seu maior nível na África Central, uma região que engloba alguns dos países mais problemáticos do mundo. No Chade, cavaleiros armados até os dentes, que vários conservacionistas disseram ser janjaweed, recentemente mataram 3.000 elefantes em apenas poucos anos.


Garamba tinha mais de 20.00 elefantes. Ano passado, o número caiu para 2.800. Este ano, talvez 2.400.


Toda manhã, se o céu está aberto, o sr. Arranz voa sobre Garamba num pequeno avião de dois lugares, equivalente a um Mazda Miata de asas. A savana verde-esmeralda se estende sob ele, numa visão emocionante ao amanhecer.


Mas, outro dia, ele viu algo que causou vincos em sua testa: abutres.


No dia seguinte, depois de uma caminhada através da grama alta, o cheiro foi se tornando insuportável e o ar reverberava ao som de milhares de moscas. “Morto por caçadores ilegais”, disse o sr. Arranz, ao descobrir um elefante morto, com sua face arrancada.


Perto havia cinzas de um pequeno acampamento.


“Esses caras ficaram um tempo por aqui”, disse ele. “Se eles se dispuseram a fazer isso por um só elefante...” Sua voz embargou.


“É como na guerra às drogas,” disse ele mais tarde. “Se as pessoas continuam comprando e pagando por marfim, é impossível isso ter um fim.”


 Guarda florestal no Parque Nacional de Garamba organiza uma  série de presas de elefantes, a maior parte delas proveniente da caça ilegal, mas algumas de elefantes mortos naturalmente. A grande maioria do marfim ilegal — 70 por cento,  segundo especialistas — vai para a China, onde uma emergente classe média empurrou o preço para estratosféricos U$1.000,00 por libra nas ruas de Pequim (o que equivale equivale a 0,4536 kg).
Foto: Tyler Hicks/The New York Times


Link para o artigo original. 

Isma’il Kushkush contribuiu em Omdurman, Sudão; Mia Li, de Pequim ; e um jornalista somali, de Mogadishu, Somalia.

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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Mente e Movimento

Indo ao encontro dos interesses dos elefantes 
Joyce Poole e Petter Granli

Capítulo IV

O quarto e último capítulo de "Mente e Movimento: Indo ao encontro dos interesses dos elefantes" trata do que é essencial para o bem-estar dos elefantes. 

"Teremos nós o direito de presidir sobre o sofrimento de animais inteligentes, para nosso entretenimento e prazer, estando eles ou não representando seus primos selvagens?" Estas e outras questões que atualmente estão no centro de debates no mundo todo, principalmente nos Estados Unidos, Canadá e Europa, são levantadas nesta importante conclusão. Para ler o documento a partir do capítulo inicial, clique aqui

Conclusão

Elefantes são criaturas vigorosas e inteligentes que se desenvolveram em ambientes físicos e sociais expansivos e complexos. Adaptados a grandes espaços, a contínua procura por comida, água, companheiros e cônjuges envolve movimentos em grande e pequena escala, que, acreditamos, são essenciais a seu bem-estar. Com base em décadas de pesquisa, consideramos que os zoos e circos de hoje estão longe de ir ao encontro dos interesses dos elefantes, sejam machos ou fêmeas. Também não acreditamos que os espaços de exibição de alguns zoológicos, levemente expandidos, e a altos custos, farão alguma diferença significativa. 

É nossa opinião que os interesses dos elefantes em cativeiro só podem ser alcançados em ambientes que:

Figura 6. Elefantes selvagens vivem em uma complexa sociedade de associações e divisões, notável tanto por sua fluidez como pela permanência e proximidade das relações sociais. (Foto: Petter Granli)

  • Permitam o desenvolvimento de relações sociais normais, a formação de famílias (com filhotes), a possibilidade de formarem grupos sociais de associações e divisões, pelo menos em pequena escala, comportamento cooperativo, aprendizado social e interação lúdica;
  • Permitam a escolha de associação e interação entre numerosos parceiros e companheiros;
  • Permitam o comportamento natural de procura por alimento e padrões de atividades;
  • Tornem necessária a perambulação na busca por alimentos variados, parceiros sociais e cônjuges;
  • Inspirem atividades físicas e mentais em todos os aspectos da vida diária.

Durante essa análise, enfatizamos que o espaço é crucial para o bem-estar dos elefantes. Para atender a cada um dos critérios acima, espaço é uma necessidade. E, atendendo a esses critérios, os zoos também irão atender a uma necessidade final: 

  • Assegurar que doenças crônicas e sofrimentos físicos e mentais devidos à falta de movimentação física e estímulo mental jamais ocorram.
Entretanto, definir o espaço mínimo necessário para atender aos interesses dos elefantes é extremamente difícil. Acreditamos que de dois a três grupos familiares sejam necessários para permitir o desenvolvimento das características de associações e divisões. Além dessa quantidade, a “população” deve incluir machos adultos. Para reduzir o problema de cio masculino prolongado, uma hierarquia natural deve ser permitida se estabelecer, e os machos devem ter um mecanismo seguro de retirada. Estimamos que um mínimo de quatro a cinco machos adultos, abrangendo idades desde jovens adultos (15-20 anos) a adultos totalmente maduros (40-50 anos ou mais) devam ser incluídos. Para acomodar uma população de 25-35 ou mais indivíduos e permitir uma natural procura por alimento e comportamento social, acreditamos que 50-70km² (2km²/indivíduo) de terreno e habitat variados seja uma indicação do espaço necessário.

Supondo que tal cenário seja aceitável, alguns desses grandes zoos de elefantes poderiam ser localizados nas zonas climáticas mais quentes dos EUA e da Europa. As “populações” seriam compostas de elefantes vindos de zoos existentes ou de circos, porque a captura e a importação de elefantes de seu habitat natural é inaceitável. Uma vez estabelecida uma população, a transferência de fêmeas e filhotes para outras instalações seria altamente indesejável, devido ao potencial trauma infligido pela ruptura de vínculos sociais. 

Com base no nosso conhecimento sobre o comportamento social dos elefantes está a  firme crença de que não é possível um elefante fêmea ter qualidade de vida sem a presença de filhotes. Temos uma forte preocupação a respeito de questões éticas envolvendo a reprodução em cativeiro e suas consequências a longo prazo. Qualquer grande instalação que mantenha uma população de elefantes funcionando naturalmente, com mortalidade e reprodução naturais, provavelmente experimentará um acréscimo no número de habitantes, e, sendo a exposição de natureza de confinamento, teria de sofrer uma intervenção para manter um tamanho apropriado da população. O abate com objetivos de controle populacional é extremamente controverso (Owen-Smith, Kerley, Page, Slotow et al., 2006). O abate de elefantes nos Estados Unidos ou na Europa seria eticamente inaceitável, assim como a transferência de indivíduos (particularmente fêmeas e filhotes) de uma instalação para outra. Controle de fertilidade, apesar de possível, provavelmente causaria uma queda extrema na porcentagem de nascimentos, uma vez que o esperado é que a a mortalidade nessas instalações seja pequena. 

A questão da reprodução em cativeiro é tão problemática que a maioria dos proponentes do bem-estar dos elefantes é de opinião que nenhuma reprodução deve  ocorrer. Claramente uma política de não reprodução em cativeiro conduziria a uma eventual extinção de elefantes cativos fora de seu habitat natural. Se é uma coisa boa ou ruim, depende de quem você escuta, e não está dentro do âmbito deste ensaio. Concluímos meramente colocando as seguintes perguntas: Teremos nós o direito de presidir sobre o sofrimento de animais inteligentes, para nosso entretenimento e prazer, estando eles ou não  representando seus primos selvagens? O quanto de sofrimento físico e mental de elefantes é tolerável, em troca de uma medida em prol da conservação da espécie? E é aceitável educar o público e prevenir a extinção de elefantes selvagens mantendo várias centenas deles em  vergonhosos espaços confinados? 

Agradecimentos

Agradecemos o Gabinete do Presidente do Quênia pela permissão para trabalharmos no Parque Nacional do Amboseli, o Kenya Wildlife Service por patrocínio local e a Amboseli Trust for Elephants por décadas de trabalho científico em equipe e suporte logístico. A participação na conferência e a criação deste documento foram possíveis pelo suporte da Amboseli Trust for Elephants, a RSPCA e o Phoenix Zoo. Agradecemos aos nossos colegas da Amboseli Trust for Elephants e Lisa Kane e Debra Forthman pelos comentários que fizeram sobre o manuscrito. Somos gratos à Tufts University Cummings School of  Veterinary and Medicine’s Center for Animals and Public Policy e à Coalition for Captive Elephants Well-Being por sediarem o encontro no qual baseia-se este volume, e aos patrocinadores do congresso (Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals, Gary Fink, Phoenix Zoo, American Society for the Prevention of Cruelty to Animals, North Carolina Zoo e Oackland Zoo). Agradecimentos especiais a Paul Waldau, Lisa Kane e Debra Forthman pela organização. 

Tradução, revisão, edição: Ana Zinger, João Paiva, Teca Franco, Junia Machado.

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Elefantes são capazes de aprender comunicação vocal

Inesperadamente, dois animais inventam sons como uma forma surpreendente de comunicação social

Existem algumas espécies de mamíferos que conseguem modificar suas vocalizações em resposta a suas experiências auditivas. Por exemplo, assim como os pássaros às vezes fazem, alguns mamíferos marinhos utilizam imitação vocal como uma forma de anúncio de que estão disponíveis para reprodução. Aqui descrevemos dois exemplos de imitação vocal feita pelo Elefante Africano de Savanna, Loxodonta africana, um mamífero terrestre que vive em uma sociedade complexa de cisão e fusão. Nossos achados favorecem um papel para a comunicação vocal que já foi previamente proposto para primatas, aves, morcegos e mamíferos marinhos: comunicação vocal é uma forma útil de comunicação acústica que ajuda a manter laços entre inidivíduos em grupos sociais em mutação. 




©ElephantVoices

No primeiro caso, gravamos imitações de som de caminhão feitas por Mlaika, uma elefanta  Africana adolescente de 10 anos que vive em um grupo de elefantes órfãos em semi-liberdade em Tsavo, no Quênia. Às vezes era possível escutar caminhões do estábulo onde Mlaika passava a noite, que ficava a 3km da auto-estrada Nairobi-Mombassa. Mlaika emitia sons parecidos com os de caminhões por várias horas depois do pôr do sol, que é o melhor horário para a transmissão de sons de baixa frequência nas savanas Africanas.

Comparações da duração e da frequência fundamental mínima e máxima mostram que as imitações de som de caminhão feitas por Mlaika são diferentes dos sons normalmente feitos por elefantes africanos adultos, adolescentes e filhotes. Os sons feitos por Mlaika não diferem significativamente dos sons feitos por caminhões de verdade. Dez amostras do conjunto de dados apropriados foram escolhidas ao acaso para comparar os sons feitos por Mlaika com os sons de caminhões. A média individual dos três parâmetros acústicos dessas chamadas também mostram que os sons feitos por Mlaika diferem de chamados normais feitos por elefantes africanos e também que são similares às gravações de sons feitos por caminhões. As chamadas parecidas com sons de caminhões feitas por Mlaika não são mais parecidas com os sons gravados em um horário do que em outros, sugerindo que Mlaika usou características gerais dos sons feitos por caminhões como modelo.

Um segundo caso de imitação feita por um elefante africano envolve o chilrear que é tipicamente produzido por elefantes asiáticos, Elephas maximus, mas não por elefantes africanos. Calimero é um elefante africano macho de 23 anos que viveu durante 18 anos com duas elefantas asiáticas no zoológico de Basel, na Suíça. O espectrograma na figura 1c mostra a típica série de chilros feita por uma das elefantas asiáticas e a figura 1d mostra o chilro similar feito por Calimero, que raramente produz outros sons. Usando a mesma análise estatística que foi aplicada no caso de Mlaika, descobrimos que os chilros de Calimero não são significativamente diferentes em duração dos chilros feitos pelas elefantas asiáticas e diferem em todos os parâmetros dos sons feitos por elefantes africanos adultos, adolescentes e filhotes. Uma escala multidimensional confirma que os sons feitos por Calimero são diferentes dos sons normais feitos por elefantes africanos e são parecidos com os chilros feitos por elefantes asiáticos. 



Fig 1. Espectogramas mostrando exemplos de modelos e imitações de sons por dois elefantes Africanos, 
Mlaika e Calimero. a, som de um caminhão à distância, gravado do estábulo de Mlaika; b, o som emitido por
Mlaika imitando o caminhão; c, chilros emitidos por elefantas Asiáticas vivendo em cativeiro com Calimero, 
e d) os chamados tipo "chilros" emitidos por Calimero. 

Fig 2. Imitações feitas por Mlaika e Calimero. As imitações de Mlaika (triângulos verdes) são
parecidas com o som de caminhões (triângulos azuis claros) e diferentes de suas vocalizações normais (triângulos amarelos), que são parecidas com os sons emitidos por outros elefantes africanos (símbolos azuis marinhos: estrelas, fêmeas adultas; diamantes, machos adultos; quadrados, filhotes fêmeas; hexágonos, filhotes machos). Calimero faz sons como chilros (círculos rosas) parecidos com os chilros das elefantas africanas que viviam com ele (círculos vermelhos). a, gráfico de frequência versus duração de dez chamados de cada tipo. b, escala multidimensional de meios para cada fonte em a, sem contar os sons tipo chilros. c, escala multidimensional de chilros próprios de nove elefantas asiáticas e os chamados tipo chilros de Calimero. Os valores representam diferentes combinações de características acústicas.


A evolução de imitação vocal em seres humanos, algumas espécies de aves, morcegos e golfinhos talvez possa ser resultado da necessidade de usar sinais acústicos para manter laços específicos com indivíduos quando os animais se separam e se reúnem. Se for assim, então o aprendizado vocal deveria ocorrer em outras espécies em que laços sociais de longa duração se baseiam em relações individuais específicas, envolvem grupos onde há constante mudança de membros e onde a comunicação vocal é usada para manter contato e para o reconhecimento do grupo e de indivíduos. Nossa descoberta de que um elefante africano da savana imita os sons feitos por elefantes asiáticos com quem ele viveu segue um padrão comum visto em espécies que são capazes de aprendizado vocal, em que sons convergem conforme os animais formam laços sociais. 

O aprendizado vocal permite um sistema de comunicação aberto e flexível, em que animais talvez possam aprender a imitar sinais que não são típicos de suas espécies, como foi demonstrado pelo elefante africano que imita caminhões. Para nosso conhecimento, essa descoberta em elefantes é o primeiro exemplo de imitação vocal em uma espécie de mamífero terrestre que não é um primata. Isso fortalece a idéia de que existe uma pressão de seleção primária para aprendizado vocal que envolve as demandas de comunicação na manutenção de relações sociais em sociedades fluídas.

Joyce H. Poole (ElephantVoices), Peter L. Tyack, Angela S. Stoeger-Horwath, Stephanie Watwood


Saiba mais sobre o aprendizado vocal dos elefantes. Leia a incrível história de Koshik, o elefante que vive em um zoo coreano e que fala como humanos.

Leia também "A Comunicação Acústica dos Elefantes". 

Link para o artigo original, "Elephants are capable of vocal learning", e outros artigos científicos da ElephantVoices.

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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Mente e Movimento

Indo ao encontro dos interesses dos elefantes 
Joyce Poole e Petter Granli

Capítulo III

O terceiro capítulo de "Mente e Movimento: Indo ao encontro dos interesses dos elefantes" trata de seus desafios diários, como a busca por alimentos, a rede de relacionamentos, o aprendizado, a procura por parceiros e a comunicação. Para ler "Mente e Movimento" a partir do primeiro capítulo, clique aqui.

Desafios mentais e físicos na vida diária de um elefante selvagem

As atividades experimentadas por um elefante selvagem dão motivação a uma mente ativa e mantêm o corpo vigoroso em boa condição física. Não importa qual seja o cenário – procura por alimentos, defesa, socialização ou reprodução –, a vida diária de um elefante se distingue por necessidade, propósito, desafio, escolha, vontade, autonomia e camaradagem. O aprendizado social também é visto em vários aspectos da vida diária de um elefante selvagem e é um componente vital da atividade mental.  Esses elementos, tão necessários na vida de elefantes selvagens, atualmente estão completamente ausentes no cativeiro.

Procura por alimentos 

Elefantes continuam crescendo durante toda a sua vida, devido à fusão epifisária  atrasada dos ossos longos (Haynes, 1991). Por causa de seu enorme tamanho, vida reprodutora de extremo gasto energético e falta de um sistema digestivo especializado, elefantes precisam consumir uma vasta quantidade de comida, e a procura por alimento ocupa a maior parte dos movimentos diários de um elefante. Um adulto consome diariamente de 150 a 450kg de alimento, ou quatro ou cinco por cento do seu peso corporal, e bebe de 100 a 160 litros de água. Para realizar esse consumo, elefantes precisam gastar quase 3/4 de 24 horas procurando alimento (Wyatt & Eltringham, 1974; Lindsay, 1994). 

Uma procura por alimento efetiva é realizada através de movimentos constantes, grandes e pequenos, que envolvem a ação coordenada das patas, das presas e da tromba, que, usada com habilidade, seleciona itens individuais de frutas, puxa tufos de grama, extrai palmito, achata os duros espinhos de um galho de acácia, ou descasca troncos de árvores. Um perambular lento leva o elefante de um item alimentar a outro. Propositadamente, o caminhar de um elefante o leva a uma variedade de habitats diariamente e a migrações sazonais. A atividade física e o estímulo mental envolvidos na busca por alimento (caminhar, alcançar e cheirar com a tromba), sua manipulação (cavar, chutar, estabilizar com as patas; bisbilhotar, alavancar e quebrar com as presas; puxar, rasgar, quebrar, desfolhar, limpar com a tromba), sua ingestão (tromba e língua) e mastigação constituem o núcleo mais importante do interesse e da sobrevivência de  um elefante. Muitas das técnicas usadas por elefantes selvagens para localizar, selecionar e extrair comida precisam ser aprendidas, ou por experiência ou por observação de outros, e o aprendizado social tem uma função decisiva para o filhote poder adquirir o conhecimento necessário de como procurar e manipular comida (Lee & Moss, 1999; Figura 3). 

A falta de espaço em zoológicos e circos não permite aos elefantes procurar por alimentos, manipular uma vasta variedade deles, selecioná-los, aprender sobre eles, desprovendo-os, assim, da atividade física e do estímulo mental necessários. Alguns  zoológicos introduziram a prática de enriquecer o ambiente espalhando comida (Kinzley, 2006) e, mesmo sendo um avanço no cuidado de elefantes cativos, isto consome muito tempo e requer uma equipe de funcionários dedicada. 

Uma complexa rede de relacionamentos no tempo e no espaço 

Elefantes selvagens vivem numa sociedade complexa de cisão e fusão notável, tanto por sua fluidez como também pelos relacionamentos próximos e duradouros.  O relacionamento dos elefantes tem início no vínculo mãe-filho e se irradia para a família, vínculo de grupo, clã, subpopulação, machos adultos independentes e até mesmo para além da população a estranhos (Moss, 1988; Payne, 2003; Poole & Moss, 2008). Nessa arena social, a vida de machos e fêmeas adultas difere radicalmente (Poole, 1994). Uma teia intrincada de vínculos entre indivíduos e famílias caracteriza a vida das fêmeas e seus filhotes, enquanto estados sexuais oscilantes distinguem as atividades dinâmicas, associações e relacionamentos de machos adultos (Moss & Poole, 1983, veja Caixas 1 & 2; Figura 4). Os relacionamentos sociais dos elefantes são particularmente complexos porque indivíduos interagem com muitos animais de diferentes unidades sociais em meio a uma população, e parceiros sociais cooperativos podem nem sempre estar juntos num mesmo grupo. Membros de uma mesma família estão frequentemente separados por  quilômetros, e uma boa parte da atividade diária de uma família pode estar focada em se aproximar de companheiros de laços próximos ou em evitar certos indivíduos. Este comportamento de atração e evasão é demonstrado claramente pelos padrões de rastreamento simultâneo de indivíduos por coleiras com rádio (Charif, Ramey, Langbauer, Payne et al., 2005; Douglas-Hamilton, Krink & Volrath 2006). 

Fig. 3. Filhotes de elefantes aprendem o que comer pegando amostras 
das bocas de seus familiares. (Foto: Petter Granli)


A combinação de qualidades sociais observadas nos elefantes – relacionamentos cooperativos próximos e duradouros, sociabilidade de fissão-fusão – existe apenas em um pequeno número de carnívoros que caçam cooperativamente (ex.: hienas, leões e cachalotes) e alguns primatas (ex.: chimpanzés e humanos: Archie, Moss & Alberts, 2006). A hipótese de complexidade social sugere que a inteligência evoluiu para que indivíduos pudessem arcar com mudanças difíceis de prever no comportamento de parceiros com os quais devem cooperar e competir. E, assim, como outras espécies que vivem em sociedades de fissão-fusão (humanos, chimpanzés, carnívoros sociais, baleias), elefantes são reconhecidos por sua inteligência e habilidade de raciocínio (Poole & Moss, 2008).

 Figura 4. Uma intrincada rede de relacionamentos entre indivíduos e famílias caracteriza 
as vidas das fêmeas e de seus descendentes. (Foto: Petter Granli)

Ainda que a população de elefantes de Amboseli seja relativamente pequena  (1.500 elefantes, no fim de 2006) comparada a várias outras, ela é, contudo, uma sociedade grande. Uma fêmea de Amboseli pode, ao longo do dia, procurar a companhia ou/e  propositadamente evitar centenas de outros indivíduos (Poole & Moss, 2008; ver Lee & Moss, Figua 7, Capítulo 2). Ao procurar por fêmeas receptivas, um macho sexualmente ativo pode também interagir com centenas de diferentes indivíduos – machos e fêmeas – ao longo de 24 horas (Poole & Moss, 1989). O número absoluto de elefantes envolvidos na teia social de um indivíduo e o caráter hierárquico na formação e dissolução de agregações fazem do elefante um ser notável. Os elefantes têm a habilidade de distinguir estranhos dentre um grande número de associados familiares, através do reconhecimento da voz (McComb, Moss, Durant, Sayialel & Baker, 2000) e do cheiro (Rasmussen & Krishnamurthy, 2000). Isso pode ser explicado pelos lóbulos temporais extremamente grandes e convolutos de seu cérebro (Shoshani, 1998; Shoshani et al., 2006).   

Aprendendo com outros 

Aprendizado social e inovação comportamental são elementos essenciais no desenvolvimento de um indivíduo e são a matéria-prima da sociedade, da cultura e da tradição dos elefantes (Lee & Moss, 1999; Poole & Moss, 2008). Por exemplo, o aprendizado social obtido através do cuidado de filhotes por fêmeas juvenis proporciona a elas um leque de habilidades e conhecimentos de como cuidar de um filhote. Futuramente, elas usarão esse conhecimento para tomar conta de sua própria prole (Lee, 1987; Lee & Moss, 1999). Saber distinguir quem é amigo ou inimigo, onde encontrar água durante as secas e itens específicos de alimentos e minerais são conhecimentos transmitidos de mãe para filha (McComb, Moss, Durant, Sayialel et al., 2001; Payne, 2003).
 

Um comportamento adequado no cio e no acasalamento também requer um aprendizado social para as fêmeas (Poole & Moss, 2008). Tanto o comportamento durante o cio como a escolha de parceiros parecem ser facilitados pela presença e pelo comportamento das mães dessas fêmeas jovens (Poole & Moss, 2008). O nascimento de um primeiro filhote é um evento de vida em que a presença e o comportamento de fêmeas experientes vem socorrer e ajudar fêmeas inexperientes. Membros experientes da família dão assistência às femeas jovens durante o parto, ajudam o recém-nascido a ficar de pé e são responsáveis pela socialização e pela proteção imediata do filhote recém-nascido (Moss, 1998; Lee & Moss, 1999). A interação com outros elefantes e a transmissão de conhecimento social e ecológico são a chave da sobrevivência do elefante, e o estímulo proporcionado por tais relações, nós acreditamos, se faz necessário para um elefante se desenvolver.
 

O zoo tradicional não oferece o espaço necessário que permita aos elefantes uma vida familiar natural, nem lhes dá a opção de escolher associados de outros grupos familiares, clãs ou populações, e também não lhes dá a oportunidade de aprender habilidades de sobrevivência através da experiência de outros. Ao privar os elefantes de um espaço adequado, zoos não só restringem sua habilidade de obter exercício adequado e essencial como também retiram uma enorme fonte de estímulo mental necessário para o bem-estar básico de um indivíduo altamente social e inteligente.  

A procura por parceiros 

O comportamento reprodutivo é um componente essencial na vida diária de qualquer animal. Nos elefantes, a reprodução envolve atividades mentais e físicas altamente energéticas. Sinais acústicos e químicos intrincados e uma memória afiada são utilizados para localizar rivais e parceiros em áreas extensas (Poole, 1989a; Poole & Moss, 1989; Poole, 1999). Cortejar, acasalar, competir (entre machos) e escolher fêmeas são comportamentos de intensa interatividade, alternadamente sutis e exagerados. Os espaços confinados oferecidos por zoos e circos não permitem que inúmeros machos e fêmeas pratiquem o ato natural de se misturar, tendo, assim, uma enorme influência no propósito, na escolha, na autonomia e na vontade de um elefante.
 

Aos 30 anos, a maioria dos machos vivencia o mais elevado período de atividades    agressivas e sexuais: o cio (Poole & Moss, 1981; Hall-Martin & Van der Wilt, 1984). Caracterizado por uma postura distinta, rígida, com a cabeça elevada, glândulas temporais inchadas e com secreção, gotejamento de urina de forte odor (Poole & Moss, 1981; Poole, 1987) e vocalizações distintas (Poole, 1987, 1999; Poole et al., 1988), os machos no cio experimentam impressionantes surtos da testosterona que circula no seu organismo (Hal-Martin & Van der Walt, 1984; Poole, Kasman, Ramsay & Lasley, 1984). Com a chegada do cio, o comportamento de um macho passa por uma transformação psicológica contundente. Um macho no cio passa a maior parte de seu tempo interagindo agressivamente com outros machos adultos ou procurando entusiasticamente por fêmeas receptivas, tentando acessar ou vigiar aquelas no auge do cio (Moss, 1983; Poole, 1989 a, b; Poole & Moss, 1989: Figura 5). Altamente ativo, um macho no cio pode perseguir outro macho ou procurar por uma parceira por vários quilômetros em poucas horas. O cio tem um papel crucial no status de dominância entre machos (Poole, 1989a). Com algumas exceções, machos pequenos ou grandes no cio têm um posto mais elevado do que machos que não se encontram no cio. A duração do cio depende da idade do macho e também pode ser influenciada pela opressão de machos de um nível hierárquico superior (Poole, 1989a). Numa população desprovida de    indivíduos mais velhos (Slotow, van Dyke, Poole, Page et al., 2000), ou em cativeiro (Jainudeen, McKay & Eisenberg, 1972), o cio começa numa idade menor e tem uma duração maior.
 

Assim como as fêmeas jovens, machos jovens se beneficiam do aprendizado social e frequentemente são observados seguindo os machos mais velhos no cio, testando os mesmos locais de urina e as mesmas fêmeas, como fazem os machos mais velhos (Poole & Moss, 2008). Os machos mais velhos, no cio, são extremamente tolerantes com esses jovens, permitindo-lhes ficar a menos de um metro de uma fêmea em estro, enquanto se preocupam em não deixar outros machos adultos se aproximarem (Poole, 1982). O sucesso da cópula requer habilidade e prática consideráveis que, em parte, podem ser obtidas pela observação de como os machos mais velhos e experientes se comportam. Experiência provinda do sul da África também destaca a importância do aprendizado social na aquisição de um comportamento apropriado dos machos, no que tange à reprodução (Slotow et al., 2000). Machos juvenis que testemunharam a matança de suas famílias em procedimentos seletivos de abate e depois transferidos para áreas desprovidas de machos adultos exibiram comportamentos reprodutivos anormais quando jovens, como montar, enfiar as presas e matar rinocerontes negros. Embora o trauma seja a provável causa do desenvolvimento desse comportamento anormal (Bradshaw, Schore, Brown, Poole & Moss, 2005), é provável também que a ausência de modelos masculinos adultos tenha contribuído para a reação sexual inapropriada desses machos jovens. Esse comportamento deixa de existir depois da introdução de machos mais velhos (Slotow et al., 2000).

Quadro 1. Famílias e Grupos Vinculados

Os relacionamentos sociais próximos e duradouros criados por elefantes fêmeas são extraordinários, dentro do contexto de seu flexivel sistema social (Archie et al., 2006). Famílias de elefantes são compostas por grupos previsíveis e discretos de parentes, mas, ao longo de horas ou dias, esses grupos podem temporariamente se separar ou se reunir, ou podem se juntar a outros grupos, formando grupos sociais maiores ou agregações. Tais agrupamentos podem ser estabelecidos por laços sociais e genéticos, área territorial e estação do ano (Douglas-Hamilton, 1972; Moss & Poole, 1983; Sukumar, 2003; Wittemyer, Douglas-Hamilton & Getz, 2005; Archie et al., 2006; Moss & Lee, em jornais). Tipo de habitat, estação do ano, grau de parentesco, traços de personalidade, tradição, morte de indivíduos influentes e a força da liderança matriarcal atuam na coesão das famílias (Moss & Lee, na imprensa). Em geral, as famílias de elefantes são menores em habitats de florestas e são maiores em habitats mistos de savana (Sukumar, 2003). Ao longo dos anos, famílias podem se separar para formar grupos vinculados (Douglas-Hamilton, 1972; Moss & Poole, 1983; Wittemyer, Douglas-Hamilton & Getz, 2005) ou, algumas vezes, se fundir para formar novas famílias (Moss & Lee, na imprensa). Relações próximas entre indivíduos podem ser distinguidas por padrões de associação, conduta de cumprimento, movimentos coordenados e tomada de decisões, além de comportamento de forte afiliação, cooperação e defesa (Douglas-Hamilton, 1972; Dublin, 1983; Moss & Poole, 1983; Lee, 1987; Moss, 1998; Poole, 1998; Payne, 2003). Mesmo indivíduos que não têm relacionamentos próximos dentro de sua família se beneficiam do comportamento cooperativo presente entre elefantes (Archie et al., 2006).


Quadro 2. A sociedade masculina


A vida social de um elefante selvagem macho é física e mentalmente desafiadora. Crescendo numa sociedade de vínculo feminino coeso, machos jovens mantêm um relacionamento próximo com seus parentes e participam de eventos sociais que afetam sua família, embora com menor intensidade do que suas companheiras fêmeas de mesma idade (Lee & Moss, 1999; Poole & Moss, na imprensa). Aos nove anos, machos começam a passar mais tempo longe de suas famílias e, aos 14, eles habitualmente partem (Lee & Moss, 1999). Machos recém independentes precisam adquirir habilidades novas para poderem se adaptar à sociedade dos machos em que tamanho corporal e estados sexuais oscilantes determinam interações e relacionamentos (Poole, 1989a). Durante a transição, as atividades sociais de machos jovens têm como ponto principal conhecer parceiros de idades semelhantes e fazer amizades fora do seu círculo familiar (Lee, 1986; Lee et al, na imprensa). Desta forma, machos reúnem informações cruciais para seu sucesso, em termos de reprodução e longevidade (Poole, 1989a, 1989b; Poole, Lee & Moss, na imprensa; Lee, Poole & Moss, na imprensa). Entre adultos sexualmente inativos, relacionamentos são corteses, enquanto as interações entre aqueles sexualmente ativos, particularmente entre aqueles no período de cio, se tornam altamente agressivas (Poole, 1987, 1989a). O sucesso reprodutivo dos machos depende fortemente de sua longevidade. Machos mais velhos e maiores, no cio, são dominantes e produzem significativamente mais descendentes (Poole, 1989 a & b; Hollister-Smith, Poole, Archie, Vance et al., na imprensa). O auge da idade reprodutora é entre 45-50 anos. Para um macho sobreviver até a idade de sucesso reprodutivo, ele precisa se utilizar dos conhecimentos que aprendeu e aperfeiçoou durante décadas. Um macho precisa aprender a reconhecer o cheiro, a aparência e a voz de uma grande quantidade de indivíduos; lembrar-se da força de cada indivíduo, comparada com a sua; saber quais indivíduos estão no cio, onde estão e em que condições se encontram; e monitorar a localização, que varia muito, das fêmeas em pré-cio e no cio.


Comunicação

A natureza flexível da sociedade dos elefantes, na qual indivíduos intimamente ligados podem estar a quilômetros de distancia, requer que os elefantes possuam um sistema de comunicação que combine uma sinalização multifacetada de curta-longa distância. Uma combinação de posturas de tromba, orelhas, membros, posturas corporais e movimentos sinaliza uma ampla gama de gestos agonísticos, defensivos e afiliativos e respostas emocionais complexas (Kahl & Armstrong, 2000; Poole & Granli, 2003; Poole & Granli, 2004). Sinais químicos, incluindo saliva, secreção mucosa dos olhos, fluidos dos tratos anogenitais, glândulas temporais, ouvidos e glândulas interdigitais desempenham um papel essencial na comunicação social e reprodutiva dos elefantes (Rasmussen, Hall-Martin & Hess, 1996; Rasmussen & Schmidt, 1998; Rasmussen & Krishnamurthy, 2000; Rasmussen& Wittemyer, 2002). A comunicação acústica inclui uma ampla variedade de sons com componentes que vão de 5Hz a mais de 9.000Hz (Poole, na imprensa). Chamados incluem ruídos de baixíssima e alta frequências, como trombetear, berrar, bufar, rugir, urrar, latir, gorgear, grasnar e outros sons idiossincráticos (Africano: Berg, 1983; Poole et al., 1988; Poole, 1994; Langbauer, 2000; Leong, Ortolani, Burks, Mellen et al., 2003; Soltis, Leong & Savage, 2005a, b; Polle, na imprensa; Asiático: McKay, 1973). Elefantes usam esses sinais acústicos para passar mensagens agonísticas, defensivas, afiliativas, protetoras, reprodutoras, logísticas e sociais (Poole, na imprensa). Elefantes utilizam poderosos sons de baixíssima frequência para coordenar suas movimentações (Payne, Langbauer & omas, 1986; Poole et al., 1988; Langbauer, Payne, Charif, Rapaport et al., 1991; Garstang, Larom, Raspet & Lindeque, 1995; Larom, Garstang, Payne, Raspet et al., 1997; McComb et al., 2000). Através de tais sinais acústicos, eles podem reconhecer as vozes individuais de outros elefantes a uma distância de mais de 1,5km (McComb, Reby, Baker, Moss et al., 2002) e podem detectar a localização de conspecíficos numa área de 300 km2, dependendo das condições atmosféricas (Larom et al., 1997). Quando um elefante vocaliza com ribombos de baixa frequência, uma réplica exata desse sinal se propaga separadamente através do solo. Elefantes respondem apropriadamente a esse sinal (O’Connell et all., 1998; O’Connell-Rodwell, Wood, Rodwell et al., 2006). Elefantes são capazes de aprender a vocalizar através da imitação, e esse raro talento pode ter sido desenvolvido para facilitar vínculos sociais e coesão numa dinâmica sociedade de fissão-fusão (Poole, Tyack, Stoeger-Horwath & Watwood, 2005). O aprendizado social, tão fundamental no desenvolvimento dos elefantes, desempenha um papel adicional na aquisição acústica (Wemmer, Mishra & Dinerstein, 1985). O rico sistema de comunicação que observamos nos elefantes existentes deve provavelmente ter evoluído com o aumento da sociabilidade e do tamanho do cérebro (Shoshani et al., 2006). Versátil e intrincada, a comunicação de longa-curta distância dos elefantes é mais um indicador de sua adaptação a um ambiente social rico e de um complexo uso do espaço.


Próximo capítulo: "Conclusão". Para ler "Mente e Movimento" a partir do primeiro capítulo, clique aqui.

Tradução, revisão, edição: Ana Zinger, João Paiva, Teca Franco, Junia Machado.

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domingo, 2 de dezembro de 2012

Mente e Movimento

Indo ao encontro dos interesses dos elefantes 
Joyce Poole e Petter Granli

Capítulo II

Esta é a continuação de "Mente e Movimento: Indo ao encontro dos interesses dos elefantes" (você pode ler o primeiro capítulo clicando aqui).


Em movimento

Elefantes em liberdade se movimentam pelo menos 20 de cada 24 horas (Figura 1), de forma ativa, envolvidos com a busca por alimentos, explorações, sociabilizações e procura por indivíduos da mesma espécie. Os padrões de atividade dos elefantes selvagens variam muito, dependendo da estação do ano, da idade, do sexo, do estado reprodutivo e da população (database da ATE). No Parque Nacional de Amboseli, os elefantes passam entre 30% a 55% das horas com luz do dia se alimentando (menor valor da escala: machos em período reprodutivo; maior valor da escala: machos fora do período reprodutivo), entre 5% a 15% caminhando enquanto se alimentam (menor valor: machos em grupos do mesmo sexo; maior valor: elefantes em grupos mistos), entre 15% a 55% caminhando (mais baixo: machos fora do período reprodutivo; mais alto: machos em período reprodutivo), entre 3% a 23% interagindo (mais baixo: machos fora do período reprodutivo; mais alto: machos em período reprodutivo), entre 3% a 15% descansando (mais baixo: machos em período reprodutivo; mais alto: machos fora do período reprodutivo) e aproximadamente 5% de modo geral parados, em atividades de conforto e bebendo água. Os adultos normalmente descansam em pé durante o dia e geralmente dormem deitados por um par de horas à noite.




Fig. 1. Elefantes seguem uma rotina diária no Parque Nacional do Amboseli, no Quênia: caminham desde as áreas arborizadas, através das planícies abertas, em direção ao pântano (Foto: Petter Granli)

Os elefantes modernos espalham-se por diversos tipos de habitats: desertos, pântanos, planícies de florestas tropicais, matas ciliares e de encostas, terras altas úmidas, terras alagáveis próximas a rios, savanas abertas e bosques. Do nível do mar até 4.875m de altitude (Grimshaw, Cordeiro & Foley, 1995), os elefantes podem sobreviver a temperaturas extremas por curtos períodos de tempo, ainda que vivam habitualmente entre 15 e 35° C e, normalmente, procuram por sombra ou água quando a temperatura está acima de 30o C. Em casos raros, elefantes se adaptaram a condições desérticas, como, por exemplo, em Gourma, Mali e Kaokoveld e Damaraland, na Namíbia (Leggett, 2004).

Nesses habitats, a área habitada por indivíduos machos e grupos familiares varia bastante, de 15 a aproximadamente 11.000km2 . Poucos estudos relatam áreas habitadas menores do que 100km2 e estes, provavelmente, representam conjuntos incompletos de dados. No Parque Nacional Kruger, na África do Sul, por exemplo, as áreas habitadas por fêmeas adultas variam de 86 a 2.776km2, com uma média de 880km2 (Whyte, 2001). No norte de Botswana, o tamanho médio das áreas habitadas é de mais de 1.000km2, variando de 447 a 3.309km2, com alguns grupos viajando até 200km em busca de água, na época da seca (Verlinden & Gavor, 1998). No Quênia, na semiárida savana da região de Samburu-Laikipia, a área ocupada por elefantes varia de 102 a 5.527km2 (Thouless, 1996), enquanto que, nas regiões mais áridas da Namíbia, ela pode variar de 2.136 a 10.738km2 , com uma média de 5.860km2 (Lindeque & Lindeque, 1991). O Elefante Asiático, espécie que tipicamente habita florestas, e o Elefante Africano da Floresta geralmente ocupam espaços menores que o Elefante Africano da Savana. A área habitada pelos elefantes asiáticos varia entre 34 e 800km2 , no caso de fêmeas, e entre 200 e 235km2 no caso de machos, ainda que algumas áreas pareçam abranger milhares de quilômetros quadrados (Sukumar, 2003). Elefantes que vivem em condições severas no deserto caracteristicamente têm as maiores áreas de ocupação. Na população do deserto mais bem estudada, no noroeste da Namíbia, elefantes sobrevivem à escassez sazonal de água e alimento movendo-se através de vastas áreas de até 12.600km2 (Viljoen, 1987; Viljoen & Bothma, 1990; Lindeque & Lindeque, 1991; Leggett, Fennessy & Schneider, 2003; Leggett, 2005).


A variação do tamanho da área habitada pode ser explicada, em grande parte, pelo tipo de habitat, apesar de o tamanho dessas áreas também variar consideravelmente dentro das populações e de as preferências individuais, a tradição, as relações interfamiliares e sexuais e as estações também contribuírem para a determinação do tamanho da área (database da ATE). A despeito do fato de o gasto energético do elefante ao caminhar ser o menor já registrado em qualquer animal terrestre (por grama de tecido, equivale a uma quarta parte do valor de um rato; Langman, Roberts, Black, Maloiy et al., 1995), elefantes ainda se comportam de modo a economizar energia (Wall, Douglas-Hamilton & Vollrath, 2006). Consequentemente, áreas de habitação menores geralmente refletem uma qualidade melhor de habitat e vice-versa. Os defensores dos zoológicos modernos têm usado essa informação energética fundamental para argumentar que, como os elefantes em cativeiro recebem alimento e água, eles não precisam de grandes espaços. Por exemplo, Bill Foster, antigo presidente da Associação de Zoológicos e Aquários dos Estados Unidos (AZA), deu uma entrevista ao jornal Deseret Morning News, em 2005, dizendo que o motivo dos animais se moverem tanto na natureza é a procura por alimento e proteção, mas que nos zoológicos, com alimento, ambientes protegidos e cuidados veterinários, elefantes vivem vidas enriquecidas. “Sim, eles podem se mover por milhas”, disse ele, “mas só porque eles precisam fazer isso”. Nada poderia estar mais longe da verdade.

Por milhões de anos, como animais de corpos grandes, os elefantes desenvolveram uma série de adaptações comportamentais e físicas especializadas, que permitiram que eles cubram longas distâncias e preencham suas necessidades ecológicas, sociais e reprodutivas. Em outras palavras, elefantes são adaptados para “vivência em grandes distâncias”, assim como os ursos polares são adaptados para o clima ártico. Para sobreviver a grandes caminhadas sem acesso à água, os elefantes desenvolveram uma bolsa faríngea para armazenamento de água. Para a defesa de si mesmos e de sua prole contra grandes carnívoros e caçadores humanos, os elefantes desenvolveram uma rede social muito interligada, uma sociedade altamente cooperativa, com um comportamento elaborado na atenção para com os filhos e com sua defesa. Para se adaptarem a um estilo de vida em que os companheiros mais próximos e parceiros potenciais podem estar a muitos quilômetros de distância, os elefantes desenvolveram uma gama de características especializadas, que permitem a eles produzir, receber e localizar sinais acústicos e sísmicos de baixíssima frequência (Hener & Hener, 1982; Fischer, 1990; Nummela, 1995; O’Connell, Hart & Arnason, 1998; Reuter, Nummela & Hemila, 1998; Weissengruber, Egger, Hutchinson, Groenewald et al., 2006a).

Morfologicamente únicas e peculiares, as pernas relativamente inflexíveis e em forma de pilares dos elefantes e suas patas macias se desenvolveram de modo a suportar seu grande peso (Weissengruber & Forstenpointner, 2004), habilitando-os a caminharem com eficiência por longas distâncias em terrenos acidentados. Esqueletos de mamutes, mastodontes e elefantes modernos são todos identicamente inflexíveis, caracterizados por pernas em forma de colunas e espinha quase horizontal, o que oferece suporte para seus corpos pesados e para a falta de juntas flexíveis. Ao contrário de outros animais, as partes superiores e inferiores das pernas são alinhadas quase que verticalmente quando estão estendidas (Haynes, 1991), e o movimento das pernas para frente e para trás é limitado, então as pernas estão quase sempre sob o corpo.


Também a formação das estruturas musculares atendem aos específicos requerimentos de seres tão pesados e também à postura e aos padrões de locomoção dos Proboscídeos. Por exemplo, o arco osteomuscular das patas é formado de modo a permitir ao elefante ficar sobre uma espécie de amortecedor, sem que seus dedos toquem o solo. Cada dedo tem músculos separados, indicando que seus movimentos, como esticar-se ou encolher-se, são importantes. Os dedos dos elefantes são embutidos como se formassem um “sapato de pele”. Tanto o arco osteomuscular das patas como seu amortecedor têm uma importante função de absorção de choque. A postura adequada das patas e de seus elementos ósseos provavelmente tem uma função muito importante, tanto na sustentação do enorme peso do elefante como na distribuição de sua massa sobre o solo (Csuti, Sargent & Bechert, 2001). Mecanismos de elasticidade ajudam a minimizar a pressão e o consumo de energia durante o descanso e a locomoção (Weissengruber & Forstenpointner, 2004).

Algumas das características descritas acima, que fazem dos elefantes seres tão bem desenhados para viver em espaços grandes, se tornaram as principais razões pelas quais eles não são adaptáveis ao zoológico tradicional. Por exemplo, indivíduos tão bem adaptados, tanto sob o ponto de vista emocional como comportamental, a viver em sociedades de estruturas fortemente interligadas, quase sempre vivem em cativeiro sem companhia. Uma espécie desenhada de modo tão perfeito para detectar sons significativos de baixa frequência (de outros elefantes, de trovoadas etc.) (Hener & Hener, 1982; Poole, Payne, Langbauer & Moss, 1988) e vibrações sísmicas (O’Connell, Hart & Arnason, 1998; Reuter, Nummela & Hemila, 1998) é exposta a ambientes urbanos e sons contínuos de máquinas de baixa frequência, ruídos de veículos e de tráfego aéreo que podem interferir em sua comunicação interindividual e provavelmente influenciar negativamente tanto sua saúde psicológica como fisiológica (Rylander, 2004). Dotada de uma grande concentração de corpúsculos de Vater-Pacinian (sensíveis a pressões e vibrações) nos seus amortecedores e de corpúsculos de Meissner (mecanorreceptores) na pele adjacente, a pata do elefante é altamente sensível (Weissengruber et al., 2006a). O grande corpo do elefante e suas juntas especialmente inflexíveis, tão bem adaptadas para uma locomoção energeticamente eficiente, são particularmente vulneráveis à artrite no ambiente sedentário do cativeiro (Weissengruber, Fuss, Egger, Stanek et al., 2006b). As almofadas das patas de um elefante são projetadas para caminhadas de longas distâncias em terrenos irregulares e ásperos, e não para pisar em concreto. Como resultado de uma existência predominantemente estática sobre superfícies lisas, as patas de elefantes cativos se desgastam de forma irregular (Schmidt, 2002), causando uma postura inadequada das mesmas e, consequentemente, das pernas e da coluna, resultando assim numa dolorosa artrite e em outros problemas de articulação (Figura 2). G. Weissengruber (pers.comm. March 31, 2006) descobriu, nos elefantes de zoológicos, que não só as articulações das extremidades, mas também as articulações da coluna vertebral foram afetadas por alterações patológicas. O desgaste irregular aparece com frequência em zoos (Schmidt, 2002). O provérbio “usar ou largar” se aplica perfeitamente em elefantes cativos: elefantes precisam andar, para ficarem bem.


Caminhar para ficar bem não se refere somente ao bem-estar físico de um elefante. Elefantes em locais pequenos, com poucos estímulos mentais e físicos, também exibem um comportamento estereotipado, balançando e oscilando. Numa elegante comparação com carnívoros, Clubb e Mason (2003) mostraram que espécies que vivem em extensos habitats selvagens eram mais vulneráveis a problemas relacionados ao bem-estar quando em cativeiro, incluindo disfunções psicológicas e stress, exemplificados pela estereotipia.


Fig. 2. Elefanta asiática, Toni, incapacitada pela artrite; 
fotografada no Zoo Nacional, em 2005 (Foto: Petter Granli)

Proponentes dos zoológicos modernos reivindicam que os dados coletados de elefantes selvagens não se aplicam aos dos que vivem em zoos. Por exemplo, Hutchins (2006) reivindica que os dados de elefantes selvagens mostram que esses animais são extremamente adaptáveis. Apesar desta informação estar correta, zoos não chegam nem perto dos parâmetros sociais e de meio ambiente de âmbito inferior contidos na natureza. Se os elefantes em cativeiro estivessem se desenvolvendo, isso poderia ser aceitável, mas não é o caso (e.g., Clubb & Mason, 2002). Outros gerentes de zoos (como Stephen Thompson, diretor do departamento de conservação no zoo Lincoln Park, situado em Kennedy, 2005) vão mais além, afirmando que pesquisas de vida selvagem não se aplicam a elefantes de zoos porque elefantes cativos têm necessidades diferentes das dos elefantes livres na natureza. O argumento pode ter sido originado da longa tradição de manter elefantes em cativeiro e do equívoco quanto ao termo “domesticado”. Em termos biológicos, domesticação se refere a mudanças na constituição genética de uma população que afetem o caráter físico ou comportamental de indivíduos, um processo que provavelmente leva centenas de gerações de procriação seletiva para acontecer. A captura e a domesticação de elefantes teve seu início no Vale do Indo há aproximadamente 4.000 anos, e elefantes asiáticos continuam sendo capturados e treinados para o trabalho desde então. Elefantes asiáticos são frequentemente referidos como uma espécie doméstica, mas tal uso do termo é errôneo. A grande maioria de elefantes cativos foi capturada da natureza, e, entre a minoria nascida em cativeiro, provavelmente a maioria é descendente de pais selvagens. Além disso, não houve seleção para criar “raças” domésticas entre os elefantes asiáticos. O número de gerações de proles cativas não é suficiente para que qualquer adaptação física ou comportamental ocorra, portanto é incorreto se referir ou pensar nos elefantes como uma “espécie doméstica”. Os elefantes podem se habituar aos seres humanos ou por eles serem domados, mas eles continuam sendo animais selvagens, com os mesmos interesses físicos, comportamentais, sociais e emocionais inerentes a elefantes selvagens. Os interesses de elefantes cativos devem nitidamente ser baseados em conclusões dos estudos de elefantes no seu habitat natural.

Próximos capítulos: "Desafios mentais e físicos na vida diária de um elefante selvagem""Conclusão". Para ler o primeiro capítulo, clique aqui.

Tradução, revisão, edição: Ana Zinger, João Paiva, Teca Franco, Junia Machado.

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